Fazer cardio assistindo série atrapalha o resultado?

Este texto foi escrito por um colunista do TecMundo; saiba mais no final.

Diariamente vivemos situações de conflito. Uma série de conflitos mentais entre atividades que sentimos que deveríamos fazer e outras atividades que queremos fazer. Um difícil duelo que exige escolha entre fazer o que desejamos para receber uma recompensa imediata ou o que sabemos que devemos fazer para benefícios a longo prazo como nossa saúde.

São situações como ficar deitado no sofá assistindo Netflix ou levantar e ir para a academia, entrar no aplicativo de delivery de comida ou preparar uma janta em casa. Nessas, somos exigidos em autocontrole – a capacidade de evitar tentações e gratificações imediatas, ignorando impulsos e pensamentos que nem sempre nos são favoráveis.

O problema aparece quando essas decisões fazem mal para nossa saúde, trabalho e relacionamentos.

O que a ciência tem descoberto é que em alguns desses casos, não precisamos decidir somente para um lado do conflito. Descubra uma estratégia prática para ter mais saúde, aliando algo que é bom para a saúde – exercícios físicos, com algo divertido.

O agrupamento de tentações

Dessa forma – agrupamento de tentações, foi chamada a estratégia de agrupar uma atividade que deve ser feita, com algo que queremos fazer. Exercícios físicos são saudáveis e muitas pessoas desejam praticá-los, mas não conseguem, perdendo a disputa desleal com as séries no streaming no sofá de casa. Mas e se juntarmos os dois? Essa pode ser uma boa estratégia, segundo a ciência.

A economista Katherine Milkman, ao ter dificuldades para se exercitar, condicionou a “permissão” para assistir suas séries somente durante seus exercícios. Funcionou para ela e, em seguida, ela testou cientificamente via experimentos.

Assistir séries durante os exercícios físicos: uma boa estratégia?Fonte:  Getty Images 

Na academia da sua universidade, ela convidou estudantes para se exercitar e ganhar 100 dólares (nos EUA é permitido pagar a participação em pesquisas). Os mais de 200 participantes foram divididos em grupos: em um deles, receberam iPods com audiolivros à escolha.

Havia boas opções como Harry Potter, O Senhor dos Anéis, a trilogia Jogos Vorazes, além da trilogia Código Da Vinci, a série de livros Duna e a Saga Crepúsculo. Porém, esse grupo de estudantes só poderia ouvir o audiolivro enquanto estivessem fazendo exercício aeróbio na academia.

Em outro grupo, os audiolivros foram carregados nos iPods pessoais e eles poderiam acessar a qualquer momento, mas eles foram incentivados pelos pesquisadores a tentar se auto-impor a regra de que só poderiam ouvir na academia. O livro mais escolhido foi Jogos Vorazes. No grupo controle, os estudantes receberam um vale-presente de 25 dólares para usar na livraria Barnes & Noble e nenhuma instrução para agrupar tentações.

Os audiolivros funcionaram como isca. Após nove semanas, os alunos que tinham recebido iPods com audiolivros se exercitaram 51% mais do que o grupo que recebeu o vale-presente. Os que poderiam acessar seus iPods a qualquer momento se exercitaram 29% mais do que o grupo controle. Ouvir audiolivros parece uma boa, podcasts também, mas e assistir TV durante os exercícios?

Assistir séries durante os exercícios

Os efeitos de assistir televisão enquanto se exercita foram testados no sentido de verificar se isso tornaria o exercício mais agradável. Nos Estados Unidos, adultos que não se exercitavam foram testados em três condições, enquanto andavam em esteira:

  • Assistindo 30 minutos de seu programa de TV favorito;
  • Assistindo 30 minutos de um documentário sobre natureza escolhido pelos pesquisadores;
  • Sem assistir nada.

Os programas de TV mais escolhidos pelos participantes foram “Modern Family”, “The Big Bang Theory” e “The Last Man Standing”. O exercício na esteira exigiu apenas 50% da frequência cardíaca máxima dos participantes, sendo considerado em intensidade moderada de esforço.

Não é à toa que muitas academias têm televisões sobre suas esteiras, pois a pesquisa mostrou que o prazer sentido durante o exercício foi maior assistindo a programa favorito na TV, comparado a não assistir nada, como esperado. Mesmo quando não escolheram o programa, a experiência de exercício ainda foi mais agradável do que não assistir nada.

Os efeitos de assistir TV sobre o desempenho físico nos exercícios parecem não terem sido testados ainda, mas considerando que resultados aparecem a partir da constância e que essa pode ser motivada por boas experiências, como sentir prazer, parece uma boa estratégia. Portanto, agrupar algo que você gosta como assistir séries ou ouvir podcasts, de modo a fazê-lo somente enquanto se exercita, é uma sugestão.

Segundo estudos, associar a prática de exercícios com outra atividade divertida, como assistir um episódio da sua série favorita, pode ser benéfico.Segundo estudos, associar a prática de exercícios com outra atividade divertida, como assistir um episódio da sua série favorita, pode ser benéfico.Fonte:  Getty Images 

Kelly McGonigal – psicóloga de Stanford, afirma que se você ainda não pratica exercícios, até o exercício te recompensar por si só pode demorar. Portanto, nesse tempo um caminho é utilizar a dissociação positiva, que consiste basicamente em se distrair durante a prática de exercícios, mas não com redes sociais ou notícias na TV, e sim com música ou algo interessante.

Os mecanismos que estão por trás da melhor experiência assistindo algo são cerebrais, conforme pesquisa que demonstrou que as atividades em áreas cerebrais mudam, especialmente nas regiões central e frontal.

Se assistir série durante o exercício é o que te impulsiona para se movimentar e ter mais saúde, bons episódios.

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Fábio Dominski 
é doutor em Ciências do Movimento Humano e graduado em Educação Física pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). É Professor universitário e pesquisador do Laboratório de Psicologia do Esporte e do Exercício (LAPE/UDESC). Faz 
divulgação científica nas redes sociais e em podcast disponível no Spotify. Autor do livro Exercício Físico e Ciência – Fatos e Mitos.

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