Já dizia Ariano Suassuna, no Auto da Compadecida: “tudo o que é vivo, morre”, e não seria diferente com as nossas células. Além das formas usuais e traumáticas que ocasionam a morte celular, cada uma das microscópicas peças que formam os seres vivos possui, intrinsecamente, um gatilho mortal: a apoptose.
Mas essa sentença celular, apesar do aspecto fatídico, contribui para que nosso organismo se mantenha em equilíbrio, e cumpre papel essencial durante a formação do nosso ser físico, moldando, de certo modo, todas as formas e junções celulares, obedecendo à receita primordial herdada em nosso DNA.
Venha conhecer mais sobre como ocorre e quais as funções da apoptose celular para o processo de saúde e doença dos organismos.
Afinal o que é e como funciona apoptose?
A apoptose é uma palavra originada do grego que significa “cair”. Em teoria, não representa adequadamente o processo de morte pré-programada das células, contudo, se pensamos na morte como um processo de decaimento de qualidade celular, até sua extinção, pode fazer mais sentido.
Quem nos responde adequadamente o que é apoptose, é a Profa. Dra. Dulci Vagenas, bióloga, coordenadora auxiliar do curso de Ciências Biológicas e professora dos cursos de Medicina e Biomedicina, ambos no campus UNIP Alphaville, em entrevista para TecMundo.
Dulci explica que “a apoptose é um processo biológico, essencial para garantir bom desenvolvimento, manutenção da homeostase do organismo, assim como um fator protetivo contra processos patológicos.” Em relação ao desenvolvimento, a apoptose está envolvida no processo de “lapidação” da conformação das células, durante a embriogênese. Essa lapidação não ocorre apenas nos seres humanos, mas em todos os seres vivos.
A morte programada das células garante que as estruturas irão se desenvolver adequadamente, fazendo com que estruturas “extras”, fora do programado para aquele organismo, como caudas e membranas interdigitais, deixem de existir ao longo do processo.
Na manutenção do equilíbrio do organismo e como fator protetivo contra doenças, a apoptose também cumpre um papel de corte nos excessos e na destruição de células velhas ou que tenham sofrido algum tipo de dano, como mutações desencadeadas por processos externos, também explica Vagenas.
Nesses casos, uma cadeia de eventos é desencadeada, lideradas principalmente por agentes proapoptóticos, que ativam as caspases, enzimas proteolícas presentes em todas as células. São essas enzimas as responsáveis pela regulação do processo apoptótico.
É importante salientar que a apoptose não é a única forma de morte celular, havendo também a destruição por necrose. Contudo, a necrose não é uma morte programada e gera inflamação durante a destruição das células.
Já na apoptose, o processo é bastante limpo, não extravasando conteúdo celular para a vizinhança celular, e os restos mortais são rapidamente fagocitados, sejam por outras células ou por macrófagos.
Burlando a estrada do fim?
Mas nem sempre a apoptose é ativada. Conforme explica Dulci, em algumas ocasiões as cascatas de eventos que desencadeiam a apoptose podem apresentar algum déficit, inibindo a ativação das enzimas que fariam com que a célula se autodestruísse.
Essa falha no sistema contribui para que células com potencial patogênico, como células tumorais, burlem os sistemas de “reciclagem” e morte celular, podendo ocasionar em crescimento desordenado e atrapalhando o equilíbrio dos sistemas do corpo.
Diante disso, Dulci Vagenas reforça a importância da apoptose celular na regulação saudável das células, garantindo o equilíbrio do organismo e consequentemente, a manutenção celular saudável, enquanto outras, já velhas, defeituosas ou “inúteis” são descartadas de forma fisiológica, em um processo natural e salutar.
Cumpriu sua sentença
E essa é, ou deveria ser, o processo de vida e morte de todas as células do nosso corpo. Este é processo fisiológico, importantíssimo para preservação do equilíbrio homeostático do nosso organismo.
Além disso, também pudemos observar, ainda que brevemente, que a apoptose também atua na embriogênese durante o desenvolvimento, moldando e remodelando a organização celular, fazendo com que apenas as células úteis e “prescritas” na receita original permaneçam.
Nesse processo de modelagem, células saudáveis também podem receber o estímulo para involuírem, como ocorre com células uterinas após os ciclos menstruais, entre outros sistemas, retornando o órgão ou sistema para um estado de equilíbrio.
E nós e todos os seres vivos sobre a Terra, cumprimos esse estranho destino de vida e morte, onde algumas vezes, esse processo não significa o fim, mas renovação e reciclagem para manutenção da saúde e bem-estar dos organismos.
Se você quer saber o que acontece quando algumas células conseguem burlar a morte, pode se interessar em conhecer a história de Henrietta Lacks e o milagre da imortalidade celular. Continue acompanhando a TecMundo e até mais!