The Plucky Squire, conhecido como O Escudeiro Valente na localização oficial, é um jogo que cativou o público desde o seu trailer de revelação em 2022. Produzido pela All Possible Futures e publicado pela Devolver Digital, conhecida pela sua curadoria certeira para produções independentes, o título saltou aos olhos com seus gráficos desenhados à mão e transições de perspectivas de gameplay, brincando com seus visuais ora 2D, ora 3D.
Este se trata de um daqueles jogos que gostam de subverter expectativas, e em que a metalinguagem é a tônica da experiência. A sua narrativa simples, que se passa em um livro de histórias infantil, serve de pano de fundo para muitas ideias divertidas e que são possíveis apenas em uma mídia como os videogames, reservando muitas surpresas ao longo das suas dez horas de campanha.
O Voxel teve a oportunidade de experimentar a versão completa antecipadamente e conta, nas linhas a seguir, os pontos positivos e negativos d’O Escudeiro Valente, ou The Plucky Squire. Vale lembrar que o jogo chega em 17 de setembro com versões para PC, PlayStation, Xbox e Nintendo Switch. Confira:
Enredo simples, mas que funciona
Antes de mais nada, é preciso elogiar a excelente localização em português do Brasil. Os textos do jogo são satisfatoriamente bem escritos e a narração de Mauro Ramos, conhecido por dublar personagens como o Shrek e o Pumba, d’O Rei Leão, dá um tom leve e carismático à aventura de Pontinho. Entre as boas decisões também estão os nomes dos amigos do protagonista — Violeta, Batera e Barbaluar — e alguns dos locais visitados, como Ártia, Caracópolis de Janeiro e Praia do Remelexo.
O jogo se passa em um livro de histórias infantil, então o enredo não tem muitos segredos: Pontinho é conhecido por proteger o vibrante Reino de Mana da vilania do feiticeiro Enfezaldo, que, certo dia, acaba descobrindo que vive em um mundo literário e que está preso às amarras do roteiro, sempre condenado a perder. Em posse de uma cópia do livro, o antagonista utiliza a chamada Metamagia para expulsar Pontinho e reescrever sua história.
Ao longo da campanha, é muito difícil não fazer comparações com obras como Toy Story. Após o incidente, o bravo escudeiro se vê no quarto do seu dono, um garoto chamado Sam e que gosta muito das aventuras do Pontinho. No entanto, caso Enfezaldo consiga reescrever a história, o livro não sairia mais da prateleira por causa da sua escrita ruim e a criança não seria mais inspirada pela literatura, a ponto de desistir do seu brilhante futuro como escritora e ilustradora.
A história d’O Escudeiro Valente traz momentos cômicos a partir do momento em que os personagens têm noção de que estão em um livroFonte: Reprodução/Bruno Magalhães
A premissa do jogo é bastante fofinha e inocente, embora as maldades do Enfezaldo piorem e até acabem contrastando com a temática infantil. A trama não é extraordinária ou imperdível, mas funciona o suficiente para estabelecer suas regras, que são subvertidas de propósito, e guiar o jogador com suas mecânicas de gameplay variadas — que são sem dúvidas um dos maiores destaques d’O Escudeiro Valente.
Surpresas na medida certa
Na maior parte do tempo, O Escudeiro Valente funciona como um jogo de aventura e ação 2D com visão do topo, lembrando bastante The Legend of Zelda. É possível desferir golpes com espada, pular e esquivar. Com a progressão, Pontinho pode comprar habilidades novas, incluindo a possibilidade de arremessar a espada, executar um golpe durante o salto ou até mesmo uma espadada giratória.
No geral, os comandos são bastante responsivos. Há apenas alguns detalhes que incomodam, como a impossibilidade de andar enquanto preparamos uma espadada giratória. A simplicidade do combate também serve a um propósito: a transição fluida para o mundo tridimensional. Seja em 2D ou em 3D, as ações básicas se mantêm e tornam o gameplay bastante intuitivo.
O grande charme, no entanto, está nos mini-games criativos e que mudam totalmente o jeito de jogar. Quando o momento exige, Pontinho pode se transformar e assumir mecânicas que remetem a clássicos como Punch Out, da Nintendo, e até mesmo Fantasy Zone, da Sega. Os fãs de jogos de ritmo, RPGs por turno ou quebra-cabeças, como Bubble Shooters, também estão bem representados ao longo da campanha.
Além do livro, Pontinho pode interagir com outros “universos” espalhados pelo mundo tridimensional, incluindo uma cartinha de RPGFonte: Reprodução/Bruno Magalhães
Um dos maiores méritos do jogo é saber a hora certa de parar com um mini-game. Todos eles têm a duração ideal, então não ficam maçantes ou repetitivos. A variedade também colabora para deixar o jogador curioso pelo que vem a seguir, e eu garanto: O Escudeiro Valente sempre consegue colocar um sorriso no rosto com as suas constantes quebras de expectativa.
Falta dar mais controle ao jogador
No entanto, vale destacar que as mecânicas do jogo são bastante metódicas. Eu explico: os trailers de divulgação podem ter dado a impressão de que o jogador tem liberdade para sair e entrar no livro quando quiser, assim como manipulá-lo, mas não é assim que funciona. Esse elemento está disponível apenas em portais específicos. Algumas funcionalidades, como a de inclinar o livro para mover objetos pesados que estiverem dentro, também só funcionam quando o jogo quer.
Em outras palavras, os ambientes não dão muita margem para experimentação. As mecânicas não permitem encontrar outras formas de resolver um mesmo problema. É como se o jogo fizesse o máximo de esforço para que a gente siga aquilo que é pressuposto, como um ambiente controlado. Isso deixa a experiência muito mais linear do que o desejado. Claro, é fácil de imaginar que essas mecânicas de manipular o livro e transitar entre realidades poderiam quebrar o jogo, mas eu queria que houvesse mais brecha para a criatividade do jogador.
Também incomoda o fato de que o ritmo do gameplay é interrompido constantemente com dicas não solicitadas, especialmente do Barbaluar. Veja bem: o jogo já traz a opção de receber dicas de um NPC que fica no cenário em cada quebra-cabeça, chamado de Barbinha. Por isso, não havia a menor necessidade de o jogo sugerir o que deve ser feito antes mesmo de devolver o controle ao jogador. Isso subestima bastante a inteligência.
Há vários mini-games ao longo d’O Escudeiro Valente e que referenciam clássicos dos videogamesFonte: Reprodução/Bruno Magalhães
Eu também encontrei alguns probleminhas. Houve momentos em que personagens do livro desapareciam completamente. Isso aconteceu em um dos momentos finais da história e também na seleção de capítulos, para revisitar momentos da campanha. Além disso, encontrei um soft lock provocado por uma decisão questionável de level design, envolvendo um item chamado Carimbomba.
Por fim, vale destacar os visuais. Já é chover no molhado à esta altura, mas o jogo realmente encanta com seu estilo artístico e cores chamativas. O contraste entre os visuais 2D do livro e o cenário tridimensional no seu entorno também dá uma estética divertida, além de colaborar com sua proposta metalinguística.
É muito interessante como o jogo apresenta alguns cenários do “mundo real” que permitem que Pontinho navegue, por exemplo, por desenhos jogados pela mesa ou até mesmo ilustrações de objetos físicos, como canecas.
Na maior parte do tempo, o mundo exterior é desinteressante e não tem algo chamativo para explorar, mas há momentos da narrativa em que o cenário se transforma completamente, como se o Sam estivesse exercitando sua imaginação e criando histórias com seus brinquedos. Eu gostaria que o mundo exterior tivesse um level design mais arrojado e que incentivasse a exploração, mas ele atende seu propósito e funciona na medida do possível.
Vale a pena?
O Escudeiro Valente é uma experiência leve e que sempre consegue colocar um sorriso no rosto do jogador com suas surpresas. Embora seja mais linear que o desejado, o jogo brinca constantemente com as nossas expectativas e reinventa suas mecânicas de maneira engenhosa e divertida.
O tom metalinguístico da narrativa é certeiro, agregando mais valor ao seu enredo simples e até mesmo inocente. Os coadjuvantes, como Violeta e Batera, também são carismáticos e felizmente são bem aproveitados ao longo da história. A excelente localização em português do Brasil também dá muito mais charme ao seu mundo e personagens.
As suas mecânicas de transição entre o mundo 2D e 3D, assim como a de manipular palavras do livro para transformar cenários, têm um potencial gigantesco, mas acabam sendo muito restritivas por não darem margem para experimentação. Apesar disso, O Escudeiro Valente é o tipo de jogo que já vale dar uma chance só pela sua proposta disruptiva e recheada de criatividade.
Nota do Voxel: 85
Pontos positivos (prós):
- Mecânicas que brincam com expectativas e perspectivas;
- Personagens fofinhos e carismáticos;
- Qualidade da escrita e da localização em português do Brasil;
- Gameplay intuitivo e com várias opções de acessibilidade;
- Colecionáveis que revelam mais do processo de desenvolvimento.
Pontos negativos (contras):
- O jogo é muito restritivo com suas mecânicas de manipular o livro;
- Há muitos momentos que o gameplay é interrompido por dicas não solicitadas;
- Bugs em que os personagens do livro sumiam ao reprisar capítulos;
- Algumas decisões de level design deixam a desejar e são sujeitas a soft lock.
A análise d’O Escudeiro Valente foi possível graças a uma cópia para Steam fornecida pela assessoria de imprensa da Devolver Digital. O jogo chega em 17 de setembro com versões para PC, PlayStation, Xbox e Nintendo Switch. Além disso, ele está disponível no lançamento para assinantes da PS Plus Extra e Deluxe.