Após 12 anos do lançamento de seu antecessor, que é considerado um clássico cult do mundo dos RPGs, finalmente tivemos acesso ao aguardadíssimo game da Capcom, Dragon’s Dogma 2, que chega mostrando ainda mais o poder do motor gráfico RE Engine, proprietário da empresa.
O jogo chega aprimorando todas as mecânicas que já eram consideradas inovadoras e estavam presentes no título anterior da série. Assim, evolui de forma natural os sistemas que já são familiares para quem já é iniciado na franquia, e também abre espaço para novos jogadores. Não sendo necessário ter jogado o título anterior para se envolver nos empolgantes combates contra criaturas mitológicas tradicionais de RPGs medievais
Se quiser saber mais sobre os aspectos gerais do jogo, indico que confira nossa análise completa aqui no Voxel. Nessa review em específico, focaremos nos aspectos de acessibilidade presentes no jogo e tentaremos entender se essa aventura é preparada para jogadores PCD ou não.
Algumas expectativas surgiram ao redor de Dragon’s Dogma 2 no que se refere à inclusão de jogadores com deficiência. Isso porque a Capcom apresentou à indústria de jogos, em 2023, o sensacional sistema de acessibilidade de Street Fighter 6, que, mesmo com seus deslizes, funciona muito bem para acessibilizar a experiência. Temos uma análise completa da acessibilidade do game aqui no Voxel, e assim surge a questão: será que isso é uma tendência da Capcom, trazer jogos com acessibilidade a partir de agora?
Para essa e outras respostas, confira nossa análise de acessibilidade de Dragon’s Dogma 2 completa.
Gostaria de ressaltar que a acessibilidade se aplica de maneira única para cada pessoa, e estas são minhas impressões pessoais do jogo como uma pessoa com baixa visão. Meu objetivo é destacar as opções que estão presentes no jogo e que o tornam mais inclusivo.
Essa análise foi possível graças a uma chave do jogo cedida pela Nuuvem. A loja brasileira oferece o game no PC por R$ 254 atualmente.
Interface e Menus
Para que todo usuário tenha uma experiência confortável e dinâmica na navegação pelos menus de um jogo, é necessário que a interface seja organizada e prática, tanto dentro do game quanto nas configurações gerais nos menus principais. Tratando-se de um RPG, Dragon’s Dogma 2 possui uma grande variedade de menus, tanto dentro quanto fora do gameplay
Assim sendo, as primeiras impressões dos menus são bastante negativas, pois não temos nenhum menu focado em acessibilidade. Sendo assim, se for necessário acessar essas ferramentas, o jogador terá de ficar caçando as escassas opções presentes no jogo.
A imagem mostra uma visão geral dos menus de configurações do jogoFonte: Captura de tela do PC
De modo geral, fora do gameplay nos menus principais, não encontramos opções básicas de acessibilidade, como aumentar o tamanho das fontes do jogo para facilitar a leitura da alta quantidade de textos presentes na experiência. Também não encontramos nada muito avançado, como leitores de tela ou a customização dos ícones, tanto no que se refere à alteração das cores quanto à escala dos mesmos.
Dentro do gameplay, também não encontramos o básico esperado em qualquer jogo AAA lançado hoje em dia. Não há opções relacionadas a recursos como filtros para jogadores com diferentes níveis de daltonismo, ou mesmo opções relacionadas ao movimento de câmera mais aprofundadas para jogadores que tenham enjoo de movimento.
O máximo de recursos de acessibilidade que são encontrados dentro da interface de usuário do jogo são possibilidades de desligar a visibilidade de recursos como o mapa ou o número de dano desferido nos inimigos. Assim sendo, a proposta de customização presente no jogo é feita pensando em jogadores que querem limpar a tela, assim tendo mais imersão, não tendo como público principal jogadores PCD que precisem de mais informações para conseguir jogar.
A imagem apresenta uma cena do game em terceira pessoa com uma bela paisagem.Fonte: Captura de tela do PC
Com uma certa frequência, temos missões com um tempo limitado para serem finalizadas, ou mesmo missões de investigação onde o jogo não indica nada, não fala onde o jogador deve ir, ou mesmo o que deve ser feito. Esse tipo de missão não mostra as informações mesmo com os poucos indicadores que temos acesso ligados. Isso pode ser muito complicado para jogadores que tenham baixa visão e não reconheçam claramente o cenário, ou para jogadores que tenham déficit de atenção e tenham dificuldade de lembrar ou entender o que deve ser feito.
O que eu quero dizer em resumo é que o jogo pode manter essas características imersivas que são propostas pela desenvolvedora como seu modo padrão, mas ao mesmo tempo seria bacana se dentro de um menu específico para acessibilidades o jogo oferecesse a possibilidade de um gameplay mais inclusivo e abrangente para mais tipos de jogadores. Pois do jeito que o game se apresenta, acaba simplesmente sendo uma experiência bastante negativa e frustrante.
O jogo erra em aspectos simples que fariam muita diferença para a experiência de jogadores com baixa visão, como a possibilidade de alterar o tamanho de aspectos gerais dos ícones, letras em geral, como legendas, ou configurações como um todo. Os botões mostrados nos tutoriais são extremamente pequenos, tornando difícil a leitura de qual botão é necessário ser pressionado para executar as ações exigidas pelo game. Isso se torna mais um aspecto inconveniente e incômodo do gameplay como um todo.
A imagem mostra uma etapa do tutorial do jogoFonte: Captura da tela do PC
Em resumo, a primeira impressão já frustra bastante, principalmente jogadores com algum nível de deficiência visual. Quando um jogo não é pensado para atingir o público de gamers PCD, já dá para notar de longe, e a frustração chega junto com o estresse da expectativa de ter de arrumar gambiarras para conseguir jogar decentemente a aventura.
Legendas
As famosas legendas que todos estamos acostumados a ver em filmes, séries e nas redes sociais servem não somente para traduzir diálogos de um idioma para o outro, mas também para alguns públicos. Essa é a principal forma de acompanhar a narrativa de mídias como filmes e jogos. As legendas auxiliam principalmente consumidores que não têm o feedback auditivo e por conta disso não conseguem ter acesso claro ao diálogo e sons em geral se não forem disponibilizados de forma textual.
No caso de Dragon’s Dogma 2, temos o básico do básico em relação às legendas, que se resume a ligado ou desligado e uma opção de contraste que não apresenta muita customização e, na real, nem traz muita mudança na leitura. Quando se fala de customização de escala das letras, a situação fica pior ainda.
Se o jogador não conseguir ler a fonte escolhida pelos desenvolvedores ou se as cores não gerarem contraste suficiente para a leitura, infelizmente, a impossibilidade de alterar as principais características das legendas acaba limitando bastante as possibilidades em relação ao seu uso para o melhor entendimento da campanha, e assim acaba deixando a leitura desconfortável para alguns tipos de jogadores.
A imagem apresenta uma contaração do fundo com contraste das legendasFonte: Captura de tela do PC
Um aspecto que achei interessante das legendas é que enquanto estamos explorando o mundo aberto e estamos em cidades com uma grande quantidade de NPCs conversando, as legendas aparecem sob suas cabeças, assim ficando claro quem está falando. Isso pode ser muito bacana para jogadores surdos, pois assim fica bem evidente quem está falando o quê. Porém, em contrapartida, não temos legendas alternativas que descrevem o som do jogo para que assim a experiência do jogador com deficiência auditiva seja mais imersiva.
A imagem mostra uma cena de gameplay em terceira pessoa onde o jogador fala com um NPCFonte: Captura da tela do PC
Dificuldade
Ter uma boa variedade de modos de dificuldade é essencial para todo jogo, pois assim cada jogador pode escolher se quer uma experiência hardcore ou algo mais casual. Ter uma boa abrangência de configurações nesse aspecto do jogo é excelente, pois isso interfere na acessibilidade do game indiretamente. Quando não temos opções focadas em acessibilidade que auxiliem o gamer PCD na aventura, essa acaba sendo uma alternativa para avançar no jogo, pois os modos de dificuldade podem acabar, de certa forma, balanceando o game.
Deixando claro que modos de dificuldade não são recursos de acessibilidade, ou seja, não é criando um modo fácil que o jogo se torna acessível. O melhor exemplo que posso dar sobre um jogo que se propõe a ser desafiador e mesmo assim não abdica da acessibilidade é o Sifu, que traz um combate complexo e desafiador com uma longa curva de aprendizado e mesmo assim tem recursos como autocontraste e auxílio de navegação. Em resumo, não pode ser desculpa para um jogo ter a proposta de apresentar mecânicas que sejam desafiadoras e, por conta disso, não adicionar recursos de acessibilidade, uma coisa não nega a outra.
Tendo esse contexto em mente, posso dizer que Dragon’s Dogma 2 tem um péssimo sistema de escolha de dificuldade, pois, sendo bem direto, ele não apresenta nenhuma alternativa para que o jogador tenha a autonomia de escolher como deseja que sua experiência seja consumida. Dentro das minhas horas jogando e explorando o mundo do game, percebi que o título é bastante desafiador, principalmente no início do gameplay, onde você ainda é fraco e tem que enfrentar inimigos relativamente mais fortes que o seu nível, principalmente os chefes iniciais.
A imagem mostra uma gameplay em terceira pessoa onde o jogador se encontra em um combateFonte: Captura de tela do PC
Enquanto eu jogava, de certa forma, me sentia punido pela dificuldade do jogo. Sendo um jogador PCD com baixa visão, eu sentia que perdia certos combates simplesmente pelo fato do jogo não apresentar recursos que o adaptassem para minha jogatina. Não digo que o jogo necessariamente deveria ter um modo fácil, mas pelo menos se ele se propusesse a adicionar recursos como autocontraste para facilitar a visualização dos inimigos e aliados, ou auxílios sonoros para entender quando contra-atacar um golpe de uma criatura qualquer do mapa, me ajudaria bastante.
Às vezes, sentia que eu era punido no jogo pela minha falta de visão, e isso, em conjunto com a falta de acessibilidade do jogo, criaram uma experiência frustrante e desagradável como um todo. Sei que uma das propostas do jogo é ser desafiador, mesmo com a principal frase de divulgação para o marketing do jogo afirmando “escolha bem suas batalhas”. Porém, se houvessem recursos de acessibilidade mais aprofundados no jogo, eu poderia realmente escolhê-las. No caso, sinto que o estúdio simplesmente não tinha o público PCD como alvo de consumidores em potencial para seu jogo.
Sério, isso é bem frustrante, pois o jogo parece incrível e eu não consegui terminá-lo. Fico pensando na frustração dos jogadores PCDs que pagaram 350 reais e não conseguem jogar, pois o game não é feito pensando neles.
Controles
Ter uma boa variedade de customizações para os controles é muito importante para todo jogo, pois assim os consumidores que tenham algum tipo de deficiência motora podem adaptar os comandos do game da forma que acharem mais confortável ou que, em geral, os possibilitem experimentar o jogo de forma confortável.
Em Dragon’s Dogma 2, surpreendentemente, temos uma gama de opções de controles interessantes, assim, ironicamente, destoando do resto da análise. Mesmo se tratando de opções básicas, acho interessante a presença dessas configurações.
As opções incluem o remapeamento completo dos botões do jogo e a possibilidade de alterar a função de inputs. Assim, sendo possível controlar se é necessário manter pressionado um botão para executar uma ação ou simplesmente apertar uma vez para que o jogo entenda o comando e assim interprete a ação como se o jogador estivesse mantendo o botão pressionado.
A imagem mostra a configuração dos controles do jogoFonte: Captura da tela do PC
De resto, temos opções padrão, como controle dos eixos e intensidade do movimento da câmera, que já são padrão, principalmente em jogos japoneses, que por algum motivo preferem esse tipo de câmera invertida. De modo geral, a configuração de controles fica na média do resto da indústria, sem nada muito extraordinário. Lembrando que joguei a versão de PC e as configurações disponíveis podem variar dependendo da plataforma em que o jogo for jogado.
Gameplay
Em Dragon’s Dogma 2, a falta de uma roteirização exata dos eventos no mundo aberto e a criação de soluções inventivas para problemas encontrados nas missões fazem parte da filosofia proposta pelos desenvolvedores do jogo. Isso dá uma sensação de liberdade ao jogador, pois o jogo não irá segurar sua mão para dizer exatamente o que deve ser feito em missões específicas. Dessa forma, o jogo evita ao máximo mostrar como resolver certas partes de forma clara, dando espaço para o jogador improvisar suas próprias soluções para situações encontradas.
Isso pode ser excelente para jogadores convencionais que não tenham nenhum tipo de deficiência. Porém, dependendo da barreira apresentada ao jogador, esse tipo de mecânica, sem alternativas para mostrar o que fazer, pode ser um grave impeditivo para certos tipos de jogadores.
Eu não estou falando que esse tipo de mecânica, que espera soluções do jogador, não pode ser o padrão do jogo. Porém, a falta de uma opção alternativa, como temos visto em jogos da Ubisoft, que apresentam uma proposta semelhante de não ter indicadores mostrando exatamente para onde ir e o que fazer, seria uma boa. Isso daria uma abrangência de opções ao player, dando assim a escolha de qual tipo de experiência faz mais sentido para cada jogador.
A imagem mostra uma gameplay do jogo em terceira pessoaFonte: Captura de tela do PC
Normalmente, quando chego nesse ponto da análise, onde são avaliadas as mecânicas do jogo e suas acessibilidades, é feita toda uma subdivisão, separando as características do jogo em diferentes tópicos. Assim, dividindo por cada aspecto do gameplay, é feita uma descrição individual dos recursos presentes, como exploração, combate, quebra-cabeças, entre outros aspectos mecânicos do jogo.
Porém, a subdivisão não foi feita nesse texto em específico, pois de modo geral não temos opções de acessibilidade dentro das mecânicas do jogo. Senti que o texto ficaria repetitivo se eu ficasse listando as mecânicas e falando que não tem acessibilidade em cada uma delas.
Temos algumas alternativas nos controles; no entanto, quando falamos de recursos como autocontraste ou auxílio de navegação, que estão se tornando padrão na indústria, o jogo não apresenta nada demais, ficando assim bem abaixo do que o resto dos grandes lançamentos têm apresentado nesses quesitos nos últimos tempos.
Vale a pena?
Não vou mentir, esse game foi um dos poucos para os quais fiz análise de acessibilidade para o Voxel que eu não consegui finalizar, porque acabei travando em uma parte onde não soube o que fazer, lembrando que sou um jogador com baixa visão. A impressão que tive foi que o jogo não foi feito com jogadores PCD em mente. Claro, temos boas opções de customização de controles, mas mesmo essas estão bem na média do que é encontrado em qualquer game lançado nos últimos tempos, sem ter nada muito aprofundado e pensado para mecânicas específicas do jogo.
Tirando isso, temos uma única customização para o fundo das legendas e, de resto, não temos opções de acessibilidade para nenhuma das mecânicas propostas pelo jogo. Sendo assim, eu respondo à pergunta inicial, caso não tenha ficado claro ainda com a leitura da matéria: pelo que percebi, Street Fighter 6, por enquanto, foi uma exceção no calendário de lançamentos da Capcom a receber recursos de acessibilidade. Sendo assim, não criem expectativas de futuros jogos da empresa nesse quesito. Pois nos últimos games da série Resident Evil, não encontramos nenhum recurso muito aprofundado nesse sentido.
Sendo assim, o que posso dizer é que a produtora tem que se atualizar como o resto da indústria, que vem seguindo um caminho excelente. Cada vez mais, a indústria de jogos tem sido aberta a receber diversidade em suas obras, seja na contação de histórias trazendo personagens que são minorias étnicas ou LGBT, ou até mesmo no consumo da mídia em si, que tem se apresentado com uma proposta mais aberta a tentar receber de braços abertos todo tipo de jogador, principalmente pessoas com deficiência. E aí, Capcom, vamos nos atualizar?
Dragon’s Dogma 2 está disponível no PlayStation, PC e Xbox Series S e X.