A Ubisoft virou alvo de reclamações de jogadores por um motivo pertinente: a companhia encerrou o game The Crew e revogou todas as cópias do produto, apagando efetivamente o título da biblioteca dos usuários.
A decisão polêmica veio logo após a empresa desativar os servidores de The Crew, no final do último mês de março. Como o jogo funcionava 100% online, a empresa não viu problema em simplesmente retirar o título da conta dos jogadores. Afinal, seria impossível entrar e aproveitar o game sem os servidores.
Confira abaixo o fim de The Crew, capturado durante uma corrida:
A situação ligou um sinal de alerta na cabeça de muitos jogadores e levantou debates sobre quem é o verdadeiro dono dos games que compramos digitalmente. Nesse cenário, alguns usuários também começaram a advogar que a única saída é voltar a comprar mídia física.
No entanto, o buraco é muito mais embaixo: na indústria em que vivemos atualmente, nem uma caixa de plástico com Blu-Ray pode garantir que um jogo é seu.
O perigo dos jogos online e a dependência das plataformas
Sem surpresas para ninguém, a Ubisoft impedir que jogadores acessem seus próprios jogos comprados não é um bom sinal para o mercado de games — especialmente para quem compra os títulos da empresa digitalmente. No entanto, já é fato que produtos digitais estão “presos” a seus ecossistemas e podem sofrer interferências de seus verdadeiros donos, ou seja, as grandes companhias de games.
Recentemente, por exemplo, a Nintendo fechou oficialmente as lojas do Nintendo 3DS e do Wii U. Com isso, enquanto os jogadores ainda podem acessar os títulos que compraram nos consoles, diversos games acabaram afundando com as plataformas oficiais. Dessa maneira, os fãs de jogos como Fire Emblem Fates – Revelations ou Pokémon Dream Radar somente poderão aproveitá-los através da emulação, ou em consoles modificados.
Fire Emblem Revelations está “preso” na eShop do 3DS.
Embora a decisão da Ubisoft pareça extrema e até absurda, ela está longe de ser uma novidade — na verdade, trata-se praticamente de uma “solução padrão”. Uma evidência bastante óbvia disso são os jogos online como serviço, que costumam falhar e morrer com frequência.
Consideremos, como exemplo, o battle-royale Rumbleverse, que acabou no ano passado. Se você gastou dinheiro no título durante seus curtos seis meses de atividade, não conseguiu “exportar” nenhum de seus itens ou recompensas. Todo o investimento foi perdido, junto do jogo original.
E se a Steam acabar? O que acontece com os meus jogos?
Sendo um pouco mais pessimista, pode-se considerar que você também não é dono dos jogos que possui na Steam, ou Epic Store, por exemplo. Enquanto essas plataformas provavelmente não vão encerrar suas atividades tão cedo, não é possível “retirar” seus títulos da loja.
Em um caso hipotético em que a Steam vá de arrasta para cima, seria necessário que Gabe Newell e sua equipe criassem uma espécie de chave para liberar os jogos da plataforma. Ou seja, quebrar o sistema de proteção para deixar que os gamers baixem e executem seus games no PC sem nenhuma restrição.
Se isso te lembra alguma coisa, você não está louco: a resposta para ser o “dono” de seus jogos atualmente é a pirataria. As licenças digitais e DRMs ao estilo do Denuvo servem não apenas para proteger os games contra a distribuição ilegal, mas também para vinculá-los com a loja que é dona do produto.
DRMs dão poder a plataformas como a Steam e prejudicam usuários.
Além de dar poder a plataformas como a Steam, esse “método de proteção” também acaba rendendo empecilhos para os jogadores e prejudica a preservação de games. Afinal, não há uma maneira oficial para transferir um game entre lojas, por exemplo, ou até mesmo baixá-lo sem realizar sua respectiva plataforma no PC.
Por outro lado, a plataforma GOG deu ótimos passos para superar esses problemas e até vende jogos sem DRM, permitindo sua instalação direta no PC. No entanto, a loja está longe de conseguir concorrer com a Steam e até costuma dar prejuízo para a CD Projekt.
Ainda assim, a galera do PC ainda conta com algumas opções, como a pirataria e emulação, para continuar jogando os games que “possui” nas lojas oficiais. Nos consoles, a situação acaba sendo mais complexa, inclusive para quem possui mídia física.
Nem a mídia física pode te salvar
Enquanto a mídia física já foi extinta no PC e está caminhando para um destino similar no Xbox, a galera do PlayStation ainda possui o costume de colecionar caixas e usar Blu-Rays. No entanto, nem mesmo o disco físico pode garantir que você seja, de fato, dono de seu conteúdo.
Embora os consoles da Sony possuam um leitor de mídia física, toda a validação do game acaba ocorrendo online, com os servidores da PlayStation envolvidos para evitar a pirataria. E como esse leitor precisa de comunicação com a internet para funcionar, basta uma atualização feita pela empresa para todos os seus games em mídia física virarem apenas item de colecionador.
PlayStation 5 Slim já é vendido em uma opção sem leitor de discos.
O mesmo também vale para jogos digitais em contas como a PSN ou a Xbox Live: no fim das contas, sendo o game físico ou digital, o produto está sob o domínio de uma plataforma, que possui as “licenças” que permitem rodá-lo no console. Na prática, os jogadores são apenas “detentores vitalícios” desses contratos, que podem ser encerrados unilateralmente pelas grandes empresas.
No caso dos consoles, esse cenário acaba sendo ainda mais apocalíptico do que no PC. Afinal, enquanto os computadores ainda trazem a opção da pirataria, atualmente, dispositivos como o PS5 e o Xbox Series S/X são plataformas 100% fechadas e que dependem de atualizações de suas donas. Embora seja possível “desbloqueá-los”, ainda não é possível realizar um processo que não comprometa funções integrais da experiência — como jogar online.
E a situação não é boa nem mesmo para os donos de consoles antigos, presumidamente “fora de perigo”: caso algum update venha torto, o jogador pode pagar o pato. Alguns usuários do PS3, por exemplo, já perderam o acesso a suas contas depois de uma atualização de firmware, no ano passado. Isso começou um movimento — com certeza, nada planejado — para que os usuários abandonassem o console por um mais moderno.
No fim das contas, praticamente, não somos donos de nenhum dos jogos que temos atualmente. Afinal, estamos a uma atualização de distância de perdê-los. Assim, resta somente a torcida para jamais precisar da pirataria e da emulação, mas sempre defender que ambas as alternativas continuem existindo.