Um tempo atrás, fui assistir a um filme junto de outros colegas jornalistas. Quando o longa terminou, obviamente muita gente levantou e foi embora. Eu, porém, fiquei sentada por mais alguns momentos enquanto os créditos subiam no telão.
Depois de um tempinho, comecei a me perguntar “tá, o que eu estou esperando, exatamente?” e, meio a contragosto, comecei a sair do cinema, mas não sem antes perguntar a um colega ali do lado se o filme em questão teria cena pós-crédito. A resposta curta e grossa: “não é um filme da Marvel”.
Bom, a resposta doeu um pouco, mas também me fez refletir sobre este recurso que, apesar de ter começado apenas como um detalhe ‘cool’ nos filmes, ganhou muita notoriedade nos últimos anos.
Afinal, será que alguém ainda fica surpreso quando se depara com uma cena adicional após os créditos? Ou melhor, será que as cenas pós-créditos (que eram um diferencial) se tornaram o “novo normal” no cinema?
Pós-créditos é o novo normal?
Para início de conversa, vale ressaltar que obviamente as cenas pós-créditos já existem há muito tempo. O filme O Agente Secreto Matt Helm, de 1966, foi o primeiro a investir no recurso, com vários outros seguindo a onda depois disso.
No entanto, não é novidade para ninguém que o formato ficou mais popular com o MCU. Com a estreia do Homem de Ferro, em 2008, a empresa iniciou um movimento que mudaria o modo de construir franquias nos cinemas. E também a forma de consumi-las.
Além de conseguir deixar os super-heróis em alta novamente, a Marvel popularizou o que conhecemos hoje como universo compartilhado, em que todos os filmes e séries se passam em um grande, complexo e único enredo.
Para conectar tudo isso, os filmes do MCU passaram a utilizar cada vez mais as cenas pós-créditos. Em Homem de Ferro, por exemplo, a empresa utiliza do recurso para mostrar que os Vingadores estão vindo aí.
O que começou como um detalhe, passou para dois ou até três momentos adicionais nos créditos de cada filme. A questão é que, com cada vez mais pistas sendo compartilhadas nesses momentos, maior ficou a sensação de obrigatoriedade para permanecer na sala de cinema.
Enquanto na época ‘pré-MCU’, dificilmente as pessoas ficavam aguardando quando os créditos subiam, atualmente o mais comum é esperar uns minutinhos – mesmo não sendo um filme da Marvel –, afinal “nunca se sabe, né”.
Créditos à equipe e… propaganda
Em julho deste ano, o chefão criativo da Marvel, Kevin Feige, ganhou uma estrela na Calçada da Fama e aproveitou para comentar o sucesso das cenas pós-créditos.
“Obviamente não estou aqui por causa de algo que fiz sozinho. Ninguém faz tantos filmes sozinho. Tive toda essa ajuda ao longo do caminho e realmente acho que é por isso que fazer cinema é a melhor forma de arte, porque é uma colaboração, todos os dias”, disse em seu discurso de agradecimento.
“É por isso que colocamos cenas adicionais no final dos nossos filmes. Eu gosto delas porque incentiva o público a sentar e ver todos os nomes das pessoas que fizeram o filme e aprender quais são as suas funções”.
Embora a explicação sobre o pensamento coletivo de Kevin Feige seja nobre e faça muito sentido, é inegável que essas cenas adicionais funcionam, principalmente, como uma espécie de propaganda para os próximos filmes.
O filme dos Vingadores (2012) foi praticamente confirmado na cena pós-crédito de Homem de Ferro (2008)
E aqui, o próprio Ryan Reynolds fez piada sobre isso na divulgação de Deadpool. “Caso você ainda não tenha percebido, [a sequência obrigatória de pós-créditos da Marvel] é sempre apenas um comercial de outro filme que invariavelmente termina com um comercial de outro filme”, zoou em um vídeo publicado no seu perfil.
Hora de repensar?
A verdade é que as cenas dos créditos finais se tornaram a grande assinatura da Marvel e por muito tempo foram responsáveis por boa parte da diversão dos fãs no cinema. Várias destas cenas, porém, dão informações que nunca foram trazidas à tona em outras produções.
Bom, enquanto o MCU praticamente se especializou neste quesito, é claro que a moda começaria a se espalhar por Hollywood para além dos filmes de heróis. Para ter uma ideia melhor, decidi pesquisar os filmes de maior bilheteria em intervalos de dez anos, começando no início do século.
Em 2004, tivemos apenas uma produção que continha cena pós-crédito (o icônico Shrek 2); em 2014, o número subiu para quatro (Guardiões da Galáxia, X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido, Capitão América: O Soldado Invernal, O Fantástico Homem-Aranha 2: O Poder de Electro e Operação Big Hero); e em 2023, tivemos seis produções no ranking (Super Mario Bros. O Filme, Guardiões da Galáxia Vol. 3, Velozes e Furiosos 10, Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania, John Wick 4: Baba Yaga e Transformers: O Despertar das Feras).
Além da grande diferença entre 2004 e 2023, também chama a atenção que no ano passado tivemos alguns filmes de fora do MCU aderindo às cenas pós-créditos – dos seis da lista, apenas dois são da Marvel. (Lembrando que utilizei apenas os 15 maiores de cada ano para análise, hein).
Aparentemente, as cenas pós-créditos se tornaram uma forma de grandes franquias darem pistas de que tem mais história vindo.
A escolha de usar esse recurso a qualquer momento, porém, pode acabar desvalorizando a experiência – já que muitas vezes a cena pós-crédito não beneficia ou amplia o universo do filme. Além disso, muito daquela especulação sobre uma possível sequência do longa também diminuiu, já que o próprio filme acaba ‘confirmando’ um gancho para continuação nas cenas adicionais.
Bom, enquanto ainda estamos entendendo se a dose que Hollywood está usando é remédio ou veneno, tem que esteja aproveitando a onda para fazer piada.
A franquia Pânico, por exemplo, que nunca havia tido uma única cena pós-crédito sequer, aderiu ao movimento, mas de um jeitinho diferente (e que pode ter frustrado quem ficou até o final para ver).
Após os créditos de Pânico 6, o filme adiciona uma cena de literalmente dois segundos com a personagem Mindy (Jasmin Savoy Brown) dizendo que “nem todo filme precisa ter uma cena pós-créditos”. Simples, irônico e metalinguístico.
Se um recurso que antes era utilizado para ser uma surpresa positiva para o público agora passou a ser motivo de ironia na própria indústria, não é um sinal para repensar?