Black Myth Wukong é uma grande decepção em quesito importante – Análise de Acessibilidade

O Rei Macaco está entre nós. O protagonista do famoso conto chinês “Jornada ao Oeste” chega com um dos melhores jogos do ano de 2024. Black Myth: Wukong é um sucesso entre o público e a crítica; isso todo mundo já sabe. Temos aqui uma das raras situações na indústria dos jogos em que uma obra com promessas e expectativas foi cumprida com esmero e atenção aos detalhes. 

Todos ficamos impressionados com o primeiro gameplay apresentado pelo estúdio Game Science, onde vimos gráficos e animações inacreditáveis rodando lindamente na Unreal Engine 5, que, lá em meados de 2019, era a grande novidade no mundo dos motores gráficos para jogos. Era tão impressionante que gerava aquele tipo de burburinho de que, quando o jogo saísse, não seria desse jeito, pois era bom demais para ser verdade. 

Esse é, com certeza, um dos maiores lançamentos do ano, sendo um game que teve um longo ciclo de desenvolvimento e um orçamento de respeito. Com certeza, a experiência é indispensável para qualquer pessoa que curta o gênero de ação e aventura.

Mas a pergunta que não quer calar aqui na nossa coluna é diferente: Black Myth Wukong é um jogo acessível para pessoas com deficiência? Confira nossa análise completa mostrando os principais recursos de acessibilidade do jogo.

Eu gostaria de ressaltar que a acessibilidade se aplica de maneira única para cada pessoa, e estas são minhas impressões pessoais do jogo como pessoa com baixa visão. Meu objetivo é destacar as opções que estão presentes no jogo e que o tornam mais inclusivo.

Esta análise foi realizada com uma chave do jogo cedida gratuitamente pela equipe da Nvidia Brasil para PC. Sem mais delongas, confira a review completa abaixo, mas já deixamos o spoiler: a qualidade que vemos no restante do game definitivamente não foi traduzida para os recursos de acessibilidade.

Interface 

Ter uma boa organização na interface sempre deixa a experiência do usuário mais prática e intuitiva, evitando enrolações antes de partir para a jogatina sem fim. Em Black Myth: Wukong, quando falamos de padrões de navegação pelos menus tradicionais, temos o básico, o famoso “feijão com arroz”.

Porém, quando se trata de opções de acessibilidade, a situação muda. Aí, o que encontramos é mais parecido com um fast food, um miojo, ou aquele pão com ovo depois da ressaca da balada — algo que diz: “É o que tem para hoje, paciência.”

Logo ao adentrar os menus pela primeira vez, somos apresentados a algumas telas que mostram as primeiras configurações do jogo, como idioma, brilho e HDR, algo que vem se tornando tradicional em jogos mais recentes. No entanto, dentro dessa tela, não é possível encontrar nenhuma opção de acessibilidade antes de sermos levados ao menu principal.

Imagine ser um jogador com uma deficiência motora que use um controle específico para essa condição. Para acessar o jogo, essa pessoa teria de passar por uma variedade de menus antes de poder fazer o remapeamento dos controles, disponível apenas mais adiante nas configurações do jogo, dentro dos menus principais. Parece uma experiência frustrante, não?

Claro que existem gambiarras, mas supor que todos os jogadores PCD as conhecem é uma fantasia. De qualquer forma, o jogo apresenta um menu específico para ferramentas de acessibilidade, o que já é algo positivo, pois mostra que, pelo menos, o game oferece esse tipo de recurso.

A primeira impressão, porém, foi desanimadora. Quando jogos não apresentam de cara recursos de acessibilidade antes dos menus principais, normalmente já sabemos o que vem por aí: uma maré de frustração e a necessidade de recorrer a gambiarras para conseguir jogar.

Menus de acessibilidade.

Ao acessar o menu de acessibilidade, as esperanças morrem, e as primeiras impressões se confirmam. A falta de variedade de opções chega a ser quase ofensiva para quem pagou o preço cheio por esse game, esperando algo mais robusto nesse sentido. As opções de acessibilidade se resumem ao uso ou não de legendas, a um filtro para daltonismo (que, aliás, é bem completo, permitindo ao jogador escolher a intensidade através de um slider) e, por fim, à opção de ligar ou desligar o desfoque de movimento.

Falando da interface, dentro do gameplay temos o básico. As opções principais permitem ligar ou desligar recursos da tela, como barras de vida e energia, ou o número de dano efetuado em inimigos. Esse tipo de função é muito útil para quem tem algum tipo de déficit de atenção ou dislexia e não lida bem com muitas informações ao mesmo tempo.

Porém, ficamos presos a essa fórmula básica. Não há nada mais aprofundado do que isso. Não existe a possibilidade de customizar os tamanhos das barras presentes no jogo ou de alterar as cores para gerar um contraste melhor, o que seria fundamental para auxiliar quem precisa enxergar essas informações de forma mais clara.

De modo geral, se você procura um game com uma interface acessível, Black Myth: Wukong não é o lugar onde você encontrará isso.

Legendas 

As legendas são essenciais para que os diálogos da narrativa sejam consumidos de forma acessível, não apenas por quem não fala o idioma original do game (mandarim), mas também por jogadores com diferentes níveis de deficiência auditiva. Dependendo do caso, as legendas acabam sendo a única forma de consumo para o gamer PCD nessa circunstância.

Sendo bem direto, Black Myth: Wukong tem algumas das piores legendas que já vi em todos os meus anos trabalhando nesta indústria vital. Sério, a experiência é bem triste.

Legendas do jogo
Legendas do jogo.

Dentro deste recurso tão importante para uma grande parcela do público, temos apenas as opções de ligar ou desligar as legendas. Não há nada além disso — nem mesmo a opção de adicionar uma cor de fundo ou alterar o tamanho da fonte dos textos.

Sendo um jogo tão narrativo e cinematográfico, eu esperava encontrar ao menos legendas alternativas para pessoas surdas, que descrevem os sons presentes na tela. Porém, aqui não temos nem isso.

Nesse caso, Black Myth: Wukong fica abaixo do básico, o “feijão com arroz”, pois estou criticando negativamente um aspecto do jogo que afeta não apenas pessoas com deficiência, mas também jogadores normativos que, de modo geral, não utilizam recursos de acessibilidade. Sério, dependendo do seu nível de miopia, pode ser difícil ler as legendas.

Essa é uma questão que talvez pudesse ser resolvida facilmente com uma atualização no game, mas falaremos mais sobre atualizações mais adiante na análise.

Controles 

Quando falamos de ferramentas de acessibilidade voltadas ao público com diversos tipos de deficiências motoras, é crucial ter uma variedade de opções. Deficiências podem ser muito específicas, então quanto mais opções disponíveis, melhor. Sempre ressalto que a versão de Black Myth: Wukong utilizada nesta análise foi para PC, então o que estou relatando aqui pode ser diferente em outras plataformas.

Black Myth: Wukong apresenta opções básicas de controle, como o já tradicional remapeamento de botões, permitindo que as teclas sejam rearranjadas conforme os diferentes setups ou inputs que o jogador escolha ou necessite. Também é possível alterar a sensibilidade dos botões analógicos e ajustar seus eixos horizontais e verticais.

Menus de remapeamento de botões do jogo
Menus de remapeamento de botões do jogo

De resto, não temos nada muito aprofundado. Senti falta de recursos que tenho visto recentemente em jogos, como a possibilidade de manter pressionado um botão ao invés de ter que pressioná-lo diversas vezes para executar uma ação, como em um combo, por exemplo. Esse tipo de praticidade pode tornar a experiência de jogadores com deficiência motora menos frustrante e mais confortável.

Um jogo que executa esse tipo de acessibilidade muito bem é o exclusivo de PlayStation 5, Rise of the Ronin. Ele apresenta uma ampla gama de automatizações para seus comandos e combos dos mais diversos. No entanto, Black Myth: Wukong faz o básico e não apresenta nenhuma profundidade em suas funções de acessibilidade relacionadas aos controles.

Dificuldade 

Indo direto ao ponto, quando um jogo não oferece recursos de acessibilidade para pessoas que necessitam desse tipo de suporte, muitas vezes esses jogadores acabam recorrendo aos modos de dificuldade para tentar desfrutar do jogo. É importante deixar claro que modo de dificuldade não é uma opção de acessibilidade.

No caso de Black Myth: Wukong, o jogo é precário em ambos os quesitos. Carece de uma boa variedade de opções para incluir gamers PCD na sua jornada ao oeste e, além disso, não oferece modos de dificuldade customizáveis.

Combate contra inimigo do jogo
Combate contra inimigo do jogo.

O jogo não chega a ser um “souls-like”, como já deixamos claro na nossa análise completa aqui no Voxel, que você pode conferir. No entanto, é um game bastante desafiador, especialmente no combate contra os chefes. 

Portanto, se você decidir embarcar na aventura do macaco, vá preparado com um certo nível de paciência. Os combates são desafiadores e, embora não sejam punitivos, a dificuldade é uma característica importante do jogo que não pode ser deixada de fora desta análise.

Combate 

O combate é talvez o ponto mais forte de Black Myth: Wukong, sendo totalmente focado em esquivas e combos com animações espetaculares e lutas de chefe que brilham os olhos de qualquer um que esteja passando na sala enquanto você joga. Falando de acessibilidade, vou direto ao ponto para não enrolar muito: não temos ferramentas de acessibilidade focadas no gameplay do jogo em geral.

É isso mesmo: Não temos nenhuma ferramenta de acessibilidade relacionada à exploração dos mapas lineares nem ao combate. Se você tem baixa visão e está considerando arriscar em Black Myth: Wukong, fica a dica de ativar a ferramenta que marca automaticamente os inimigos em combate. No entanto, para ser honesto, nem isso funciona corretamente.

Gameplay de combate contra um inimigo do jogo no caso um logo de armadura
Gameplay de combate contra um inimigo do jogo.

Os combates em Black Myth: Wukong não só carecem de recursos de acessibilidade, como também são bastante desafiadores. Embora não seja um “souls-like”, é um jogo bastante hardcore. Se você é PCD e não consegue lidar com combates rápidos e implacáveis, eu não recomendo Black Myth: Wukong, pois não há opções de acessibilidade para tornar o jogo mais inclusivo e permitir que mais pessoas possam experienciar a fantástica história da Jornada ao Oeste.

Vale a Pena? 

A Jornada ao Oeste é um conto que fala sobre arrogância e humildade, e Black Myth: Wukong é um jogo bastante ambicioso que cumpre tudo que prometeu em termos de gráficos, jogabilidade e profundidade narrativa. No entanto, espero que a equipe da Game Science reconheça os claros problemas que o jogo apresenta em relação às funções de acessibilidade para gamers PCD. 

Eu gostei muito do jogo, principalmente da sua narrativa, e acredito que esta obra-prima pode facilmente concorrer ao jogo do ano. No entanto, é realmente uma pena que opções que afetam tanta gente tenham sido praticamente deixadas de lado em alguns aspectos do jogo. 

A falta de opções básicas, como a customização das legendas, é notável, mas o título vai muito além. Eu poderia passar horas falando sobre as opções que o jogo não implementou, como leitor de tela, auxílio de navegação e legendas alternativas para pessoas com deficiência auditiva, entre uma enorme variedade de acessibilidades que poderiam ter sido adicionadas ao game.

Claro, cada uma das ferramentas exige um certo nível de complexidade para ser adicionada ao game. No entanto, considerando o polimento dado ao jogo e o orçamento da produção, acho que Black Myth: Wukong poderia ter feito mais para incluir um número maior de jogadores nesta espetacular aventura.

A esperança fica para que o jogo receba atualizações no futuro aprimorando a experiência de acessibilidade, mas o prognóstico inicial não é dos melhores. O Voxel buscou informações online sobre updates voltados a esse quesito e não encontrou detalhes vindos da desenvolvedora. Além disso, a assessoria de imprensa responsável pelo game no Brasil não possui informações sobre atualizações futuras voltadas para acessibilidade em Black Myth: Wukong.

De qualquer forma, a Game Science mostrou ao que veio e entregou um jogão, provando que eles sabem trabalhar. Espero que, em futuros games da companhia, a acessibilidade seja levada em consideração durante o desenvolvimento, pois o que encontrei em Black Myth: Wukong fica muito atrás do que temos visto no mercado de games nos últimos anos.

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