Guerra dos supertênis: as armas da indústria para fazer maratonistas e corredores comuns 'voarem'

Fabricantes apostam em calçados com placas de carbono e espumas mais modernas para ajudar a melhorar performance de atletas. Um dos objetivos atuais é atingir recorde abaixo das duas horas na maratona masculina. O que são os supertênis, armas para atletas profissionais e amadores ‘voarem’
“Imagine eu em 1998 com um tênis de hoje, seria uma marca bem melhor”. A avaliação é de Ronaldo da Costa, que, há quase 26 anos, virou o único brasileiro a ter quebrado o recorde masculino da maratona, prova de 42,195 km de distância.
Ele atingiu o feito na Maratona de Berlim, na Alemanha, com o tempo de 2h06min05s. E acredita que poderia reduzir o tempo em cerca de três minutos com os tênis e, claro, treinamentos e dietas atuais, por exemplo.
O atual recorde masculino da maratona é 2h00min35s, tempo registrado pelo queniano Kelvin Kiptum, que morreu em fevereiro, aos 24 anos. Entre as mulheres, o melhor tempo é da etíope Tigist Assefa, com 2h11min53s.
E não são só corredores que buscam essas marcas: as fabricantes de tênis travam uma longa guerra por recordes de atletas que elas patrocinam e, hoje, têm como um de seus objetivos atingir um tempo abaixo de duas horas na maratona masculina.
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Para isso, elas produzem os chamados “supertênis”, que utilizam materiais de ponta como placas de carbono sob as palmilhas e espumas modernas que deixam os calçados mais leves. Um modelo desse tipo chega a custar R$ 4.000.
Há também uma empresa que trabalha em um tênis impresso para se ajustar perfeitamente ao pé do atleta. O modelo é feito com uma espécie de pistola de cola quente automatizada, que usa 1,5 km de fios e dispensa colas e costuras.
Essas são algumas das estratégias adotadas por fabricantes de tênis de corrida, que têm buscado:
⏱️ melhorar a impulsão de atletas a cada passada, criando uma espécie de efeito trampolim;
🏃 oferecer mais estabilidade para permitir que corredores façam movimentos ainda mais coordenados e diminuir os riscos de lesões;
👟 aumentar o conforto com tênis mais leves e tecidos que têm mais capacidade de dissipar o calor.
A avaliação é de Rudnei Palhano, doutor em Engenharia de Materiais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e mestre em Ciências do Movimento Humano pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).
“O avanço da tecnologia está contribuindo para que novos recordes venham a ser batidos”, disse Palhano, ao g1. “E essa tecnologia não é somente para os atletas, chega no público de forma geral”.
Como são feitos os ‘supertênis’ de corrida
Bruna Azevedo/Arte g1
Carbono no tênis?
Na disputa pelo melhor tênis, a placa de carbono é uma das armas usadas pelos fabricantes, que ajustam esse componente de acordo com seus interesses. Ele é uma camada fina que fica nas entressolas do tênis e servem para melhorar a estabilidade e a impulsão dos atletas.
“Quando o atleta pisa, o calçado devolve um pouco dessa energia no calcanhar, fazendo com que ele tenha uma propulsão e gaste menos energia nesse movimento”, explicou Palhano.
“Quando você consegue economizar energia, pode chegar mais íntegro ao final da sua competição. Pode ser uma pequena fração, mas, no caso de uma maratona de 42 km, isso é significativo”.
Tigist Assefa alcançou recorde feminino da maratona em 24 de setembro de 2023, ao usar tênis Adizero Adios Pro Evo 1, da Adidas
AP Photo/Markus Schreiber
O primeiro tênis com placa de carbono foi criado pela Nike e estreou na maratona das Olimpíadas do Rio, em 2016. Dois corredores patrocinados pela empresa alcançaram o pódio naquela ocasião com o que viria a ser chamado de Vaporfly 4%.
Em 2019, o queniano Eliud Kipchoge usou outro tênis da Nike com placa de carbono, o Alphafly 3, e conseguiu correr uma maratona abaixo de 2h, mais especificamente em 1h59min40s. Mas, como a corrida era promocional e tinha sido criada para Kipchoge, o feito não foi reconhecido como recorde.
Eliud Kipchoge durante a Maratona de Berlim, em 24 de setembro de 2023
AP Photo/Markus Schreiber
‘Doping mecânico’?
O Vaporfly 4% e o Alphafly 3 estiveram em uma controvérsia por supostamente darem uma vantagem indevida para corredores, prática também conhecida como “doping mecânico”. Depois deles, a World Athletics, federação internacional de atletismo, definiu novas regras sobre tênis.
A entidade decidiu em 2020 que tênis usados em competições de atletismo devem estar disponíveis para compra por qualquer atleta e não podem ter sola com mais de 40 mm de espessura, por exemplo.
Apesar da polêmica, outras empresas passaram a adotar a placa de carbono em seus modelos para atletas de elite. Mais recentemente, o material também passou a ser oferecido em modelos para atletas amadores, mas ainda com preços altos.
Esse avanço foi possível após a adoção de espumas mais leves, chamadas de Pebax, que permitem usar solas maiores e com maior amortecimento sem deixar os tênis pesados, explicou Márcio Callage, diretor de marketing da Olympikus, que usou a tecnologia no tênis Corre Ultra.
“Daí veio a ideia de colocar uma placa de carbono, para que, ao mesmo tempo em que a espuma amortecesse a pisada, não trouxesse lentidão na hora da resposta, no efeito trampolim. Hoje, essa é a grande revolução no mundo da tecnologia esportiva”.
‘Supertênis’ de corrida usam placas de carbono e espumas mais modernas para dar mais impulsão, estabilidade e conforto para corredores
Divulgação/Nike/Adidas/On
Tênis impresso?
Os métodos para criar tênis que ajudem a melhorar a performance de atletas variam. A fabricante suíça On, por exemplo, criou modelos que são feitos em impressoras e são moldados aos pés dos corredores.
“Isso deixa o atleta mais tranquilo com a sua corrida e no seu desempenho. Você não precisa se preocupar com o peso do cadarço, com algumas distrações no produto”, disse Alexandre Martinez, diretor de marketing da On.
A empresa patrocina 66 atletas de 15 esportes nas Olímpiadas de Paris e vê o evento como uma oportunidade de demonstrar os benefícios de seus produtos.
“A gente está muito esperançoso”, disse Martinez. “Foram milhares de testes entre os nossos atletas até chegar ao modelo correto”.
Entre os atletas patrocinados pela marca, está a queniana Hellen Obiri, que utilizou um protótipo do tênis mais moderno da empresa ao vencer a maratona de Boston, nos Estados Unidos, com tempo de 2h22min37.
O modelo será usado em Paris, com visual repaginado, e deverá ser levado ao público até o final de 2024. Mas a marca não revelou como vai garantir que eles se ajustem aos pés de cada pessoa.
Hellen Obiri (centro) venceu Maratona de Boston com tênis Cloudboom Strike LS, da On, em 15 de abril de 2024
AP Photo/Jennifer McDermott
As tecnologias chegarão para todos?
A ideia é que, depois de os “supertênis” (ou “supershoes”) serem usadas por atletas de elite, versões mais acessíveis desses calçados também sejam levadas para atletas amadores.
“A tecnologia começa cara e vai barateando. Hoje, todas as marcas têm os supershoes, que são para competição, e os supertrainers, tênis que também têm placa, mas com outros materiais, para rodagem no dia a dia”, disse Callage, da Olympikus.
Mas, neste momento, o objetivo é mostrar que os modelos mais modernos podem ser úteis em competições. “A Olimpíada é um momento máximo, é a representação da marca”, disse Martinez, da On. “E a gente está muito esperançoso”.
Ronaldo da Costa, que deteve o recorde masculino da maratona por quase um ano, o treinamento representa 90% do que é necessário para ganhar uma prova, enquanto equipamentos como tênis são 10%.
Mas, quando todos estão em alto nível, os calçados podem ser a diferença que falta para chegar em primeiro lugar. “Você tem que treinar, mas, se tiver um material de primeira na mão, esses 10% ajudam muito”, disse.
Para Ronaldo, o recorde masculino da maratona deve ficar abaixo das duas horas em breve. “Não vai demorar. Do jeito que estão na ponta dos cascos, tudo é possível”.
Ronaldo da Costa, durante a corrida de São Silvestre, em 1994
Fábio Lucio/TV Globo/Acervo

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