A Bethesda lançou em 2005 o aclamado The Elder Scrolls IV Oblivion, que chegou recebendo elogios dos jogadores e da crítica. No entanto, no ano seguinte, o título também foi palco de um grande momento nos games que gerou revolta: a popularização dos DLCs, os conteúdos extra para serem comprados e baixados nos jogos.
O icônico RPG recebeu o “Pacote de Armadura de Cavalo”, que fazia justamente o que o nome diz: trazia uma roupinha para o seu alazão digital. O conteúdo foi recebido com inúmeras críticas e ridicularizado pelos jogadores, mas abriu precedentes para uma indústria bilionária.
Naquela época, os games ainda não tinham o costume de receber conteúdos pós-lançamento de pequeno porte, principalmente pagos. No entanto, o cavalinho da Bethesda trazia um formato de comércio que podia agradar investidores.
Em 2006, uma simples DLC simbolizou uma mudança completa que estava por vir nos games.Fonte: GamesIndustry
Com os custos de desenvolvimento subindo, os estúdios enfrentavam a pressão de atender às expectativas corporativas. Quase todos os jogos, mesmo os single-player, começaram a adotar estratégias para gerar receita em um mundo cada vez mais conectado.
Enquanto o PS2 e o primeiro Xbox ainda engatinhavam no quesito “internet”, as coisas mudaram na geração seguinte, abrindo novos precedentes para monetização. Com o lançamento do Xbox 360 e a Xbox Live, a Microsoft já preparava o terreno para um mundo de jogos cada vez mais conectado e, consequentemente, vendidos “em pedaços”.
Bethesda e o DLC divisor de águas
A Bethesda já era familiarizada com o lançamento de grandes expansões e também conteúdos de manutenção em seus jogos. O “próximo passo” de lançar DLCs menores veio graças a sua comunidade ativa de modding, que serviu como inspiração para a empresa também investir em conteúdos extras de pequeno porte.
Em 2005, os desenvolvedores tinham dúvidas sobre como criar e vender DLCs, sem saber o que cobrar ou o que os jogadores queriam. O “Pacote de Armadura para Cavalos” de Oblivion chegou como uma forma de “testar as águas”, mas acabou trazendo o caos.
Por 200 Microsoft Points (cerca de US$ 2,50), era possível adquirir conjuntos de skins de armadura para seu pocotó no game.Fonte: WhatCulture
A reação dos jogadores foi imediata: o conteúdo era pequeno demais por um preço alto, cerca de US$ 2,50. Alguns lamentaram que nem sequer podiam comprar o pacote em seus países; outros questionaram o sentido de comprar itens cosméticos em um jogo single-player.
Existiam também os defensores, que comparavam a microtransação com a venda de toques e wallpapers para celular, algo que era popular na época. Independente do lado, uma coisa é certa: esse cavalo mudou os rumos da indústria dos games.
Microtransações fragmentaram os jogos
A título de curiosidade, The Elder Scrolls Online ultrapassou a marca de 24 milhões de jogadores em janeiro de 2024.Fonte: GiantFreakingRobot
A simples armadura de cavalo abriu as porteiras para que a indústria de jogos seguisse essa tendência. A chegada do “Pacote de Armadura para Cavalos” simbolizou o início de uma fragmentação nos jogos, tornando-se um ponto de referência de quanto os jogos começaram a ser “vendidos em pedaços.”
Agora mesmo, no momento de publicação deste texto, estamos vivendo uma situação que derivou do cavalo canônico da Bethesda. Dragon’s Dogma 2 é um jogo single-player que está rendendo polêmicas por causa de seus diversos DLCs.
O RPG da Capcom chegou ao mercado com diversos conteúdos que podem ser comprados por valores que derivam de R$ 6,00 a R$ 30. As microtransações servem para comprar itens e funções que podem ser usados durante o gameplay, incluindo a habilidade de editar o personagem e viagens rápidas.
Embora seja possível obter os itens simplesmente jogando Dragon’s Dogma 2, alguns jogadores desconfiam que a Capcom pode ter desenhado o game com as microtransações em mente, dificultando a obtenção de certos recursos para tornar a compra com dinheiro real mais atraente, por exemplo.
Apesar da polêmica de Dragon’s Dogma 2 ser recente, as microtransações já vem causando dores de cabeça nos games há anos.
O impacto das microtransações no decorrer dos anos
Lançado em 2017, Star Wars: Battlefront II recebeu críticas por sua mecânica de loot boxes implementada pela Eletronic Arts. A solução afetava diretamente a progressão do jogador, fazendo o jogo ser considerado “pay-to-win” (pague para vencer).
Esta não foi a única peripécia da EA Games envolvendo microtransações polêmicas. Para conseguir melhores cartas no FIFA Ultimate Team, a Electronic Arts distribui cartões de jogadores aleatoriamente, incentivando os usuários a gastarem dinheiro real para obter melhores cartas.
A inserção de Loot Boxes arruinaram o lançamento de Star Wars: Battlefront II, mas desencadeou um debate crucial para os gamers em 2018.Fonte: XboxPower
Em Dragon Age: Origins, a Bioware e a EA também incluíram conteúdo extra pago no game, como missões e itens, essenciais para a progressão da história. Prática similar também foi vista em Dead or Alive 5 e 6, que foram alvos de críticas após a Koei Tecmo oferecer DLCs a preços elevados, como passes de temporada e customização de personagens por microtransações.
Até mesmo os fatalities de Mortal Kombat já foram tema de polêmica envolvendo microtransações. Mortal Kombat 1 chegou vendendo finalizações especiais em sua loja in-game, o que irritou usuários e até rendeu mudanças dentro do jogo.
As microtransações nos jogos online
No cenário de games multiplayer, as microtransações também desempenham um papel de destaque até hoje. Os jogos online mudaram gradualmente com as compras in-game, e esses itens pagos se tornaram uma parte integral da experiência.
Jogos como Counter-Strike 2, por exemplo, movimentam o mercado da Steam com a venda de skins para armas. O sucesso do game nos cosméticos digitais é tão grande que alguns itens do game são vendidos por valores milionários quando convertidos para moedas do mundo real.
Outro game que revolucionou as microtransações é Fortnite. O jogo se tornou um fenômeno cultural, ao copiar o formato de PUBG e se tornar gratuito, e agora recebe constantemente skins de ícones do entretenimento.
Pioneiro no mercado de games e microtransações, a Epic Games se aproveita de crossovers de parcerias com marcas e artistas. Fonte: EpicGames
Além de receber constantemente skins pagas, Fortnite também é conhecido por adotar a mecânica de passe de batalha, uma solução criada pela Valve e implementada inicialmente em 2013, no jogo Dota 2. Neste modelo, que se tornou bastante popular, o jogador paga para acessar um sistema de camadas que liberam itens cosméticos no decorrer do gameplay.
No caso de Fortnite, o passe de batalha representa o auge das microtransações: o usuário que paga basicamente consegue ter acesso a diversas skins em uma única compra e por um preço mais baixo que comprar os itens na loja do game. No entanto, para liberar todos os itens, é necessário jogar constantemente — ou seja, além de incentivar o gasto de dinheiro, o sistema ainda engaja os usuários no game.
A busca por receitas de sucesso como essa é, atualmente, o “Santo Graal” da indústria dos jogos. A Sony, por exemplo, adquiriu a Bungie por bilhões de dólares, devido à experiência do estúdio em jogos de serviço, visando criar um game online duradouro e rentável.
No entanto, esse caminho pode ser tortuoso. Enquanto a PlayStation conseguiu emplacar Helldivers 2, que se tornou um sucesso agora no começo de 2024, a empresa gastou recursos em dois projetos cancelados que poderiam se tornar “jogos como serviço”, um jogo multiplayer de Spider-Man e The Last of Us Online.
Apesar de o assunto ser polêmico, uma coisa é certa: as microtransações ditam as regras no mercado e, no cenário atual, possivelmente seguirão comandando a vontade de grandes estúdios de games.