O cinema porto-alegrense em documentário

Está em cartaz o documentário “Um Certo Cinema Gaúcho de Porto Alegre”, dirigido por Boca Migotto. Produzido durante a pesquisa de doutorado do autor, sob a supervisão da professora Miriam Rossini (Ufrgs), o filme aborda aproximadamente quatro décadas do cinema gaúcho através de depoimentos de pessoas que viveram essa história, intercaladas com cenas de filmes. Como é de conhecimento público, em um trabalho acadêmico é preciso fazer um recorte sobre determinado tema, visto que se trata de uma pesquisa com prazo para início e término.

O autor colocou seu foco na produtora Clube Silêncio e os filmes produzidos a partir dessa experiência nos anos 2000. A produtora tinha como sócios Gustavo Spolidoro, que dirigiu “Ainda Orangotangos” e “Morro do Céu”; Fabiano de Souza, que conduziu “A Última Estrada da Praia”, e Gilson Vargas, diretor de “Dromedário no Asfalto”.

Em um bate-papo realizado na terça-feira passada após sessão de pré-estreia na Cinemateca Paulo Amorim da CCMQ (Rua dos Andradas, 736), onde o filme está em cartaz, o autor revelou que sua ideia inicial era estudar o filme “Ainda Orangotangos”, inspirado em texto de Paulo Scott, por ser um longa rodado em um plano-sequência em Porto Alegre. Aos poucos, ampliou o foco. Todos os sócios da Clube Silêncio foram entrevistados. A diretora Cristiane Oliveira (de “A Mulher do Pai” e “A Primeira Morte de Joana”), que trabalhou com o grupo, também dá uma breve declaração.

Quando se pensava que a Clube Silêncio ia produzir ainda mais e “decolar”, os sócios resolveram encerrar a produtora e cada um seguiu seu caminho. O pesquisador percebeu que na temática dos filmes ficou evidente um desejo de sair da cidade, o deslocamento de tramas da Capital para o Litoral ou a Serra.

Para contextualizar esse grupo, o cineasta entrevistou também a geração anterior que se dedicou a um cinema urbano, com a da Casa de Cinema de Porto Alegre, além de pesquisadores, professores, profissionais e jornalistas. Veteranos como o crítico e filósofo Enéas de Souza também deram seu depoimento.

O filme não teve nenhum patrocínio e foi realizado de forma independente. As entrevistas foram realizadas no Bar Ossip (Rua da República, 677). Por isso, entre as conversas, o espectador acompanha o vai e vem dos funcionários do bar entre as conversas. “Foi mais prático convidar os entrevistados para um espaço do que termos de nos deslocar pela cidade”, conta Migotto sobre os bastidores. O som foi captado pelo reconhecido profissional Juan Quintáns.

Migotto sabe e admite que muitos nomes ficaram de fora do longa-metragem. O primeiro corte do filme tinha cerca de 4 horas e para ser exibido no cinema teve de sofrer nova edição para ficar próximo de 2 horas. E algumas imagens que o diretor gostaria de ter colocado no filme não foram liberadas por uma emissora que detém os direitos sobre películas antigas e históricas.

Mesmo com limitações de recursos, o documentário é uma preciosidade por registrar a memória viva de profissionais que marcaram e ainda marcam a história do cinema de Porto Alegre. É um trabalho que aposta na história oral, o que incentivou Migotto posteriormente a começar a cursar História.

Trata-se de um filme mais técnico e formal, talvez por ter sua origem em um trabalho acadêmico, do que outros filmes do cineasta, como o emocionante e nostálgico “Filme sobre um Bom Fim” (2015). Mas este também resgata, através de imagens e depoimentos, uma Porto Alegre do passado registrada em experimentos de profissionais que se arriscaram na sétima arte.




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