Quantas produções independentes nacionais você já assistiu nos streamings que assina? Ou melhor, você “esbarra” com frequência neste tipo de título nos catálogos dos grandes streamings disponíveis aqui no Brasil? Calma, ninguém vai julgar a sua resposta.
Mas estes questionamentos e, principalmente, as respostas são grandes indicadores de algo maior que vem sendo debatido com mais afinco nos últimos meses pelo setor audiovisual brasileiro: a regulação do streaming no país.
Desde que chegaram em solo verde e amarelo, big techs como Netflix e Amazon, por exemplo, não precisaram enfrentar ou se adaptar a regras específicas para operarem no país.
Bom, foi pensando nisso que o projeto de lei 8889/17 foi protocolado pelo deputado Paulo Teixeira em 2017. Na justificativa do projeto, o parlamentar aponta que, além de uma cota voltada para conteúdos nacionais, a regulação pode render ao país um valor de aproximadamente R$ 3,7 bilhões em tributos pagos pelas companhias.
O que propõe a lei 8999
Atualmente, o texto está em pauta na Câmara dos Deputados e propõe que as empresas de streaming deverão pagar até, no máximo, 6% do seu lucro anual bruto no mercado brasileiro para a Condecine (Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional).
O projeto de lei 8889/17 propõe que streamings contribuam para a Condecine
A ideia é que a contribuição das empresas para a Condecine aconteça de forma progressiva, chegando a até 6% para empresas com receita bruta anual acima de R$ 70 milhões. O texto fixa ainda que 30% do valor recolhido serão destinados a produtoras brasileiras estabelecidas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
Além das taxas, o projeto de lei também prevê uma cota para conteúdos nacionais nos streamings. A proposta estipula que de 2% a 20% do total de horas do catálogo de filmes e séries ofertado pelas plataformas sejam de títulos produzidos por produtoras brasileiras. Desse número, 50% deve ser obras de produtoras brasileiras independentes. O percentual exato para cada empresa vai depender da receita bruta da companhia.
Vale ressaltar que atualmente, além do PL 8889/2017, o projeto 2331/2022 também está em discussão. Esse último, porém, vem sendo bastante criticado por trabalhadores da área de audiovisual, já que oferece às empresas recursos públicos brasileiros em troca de uma contribuição menor que 3% anual.
Na Europa
Enquanto andamos em passos lentos por aqui, a União Europeia já se adiantou nas discussões sobre o assunto. Em 2018, o parlamento europeu aprovou a lei que determinava que 30% do conteúdo levado exibido por serviços de streaming deve ser produzido localmente.
Inicialmente, os países do bloco tiveram 21 meses para se adaptar às novas regras. Ainda que a execução do plano tenha desacelerado com a pandemia, mais de 16% dos investimentos de streaming na região foram voltados para a produção de conteúdo original europeu em 2022, segundo dados do Observatório Europeu do Audiovisual.
Por que regulamentar é a melhor opção?
Ao falarmos em regulação do streaming, podemos relembrar também outro movimento parecido da década passada. Basicamente, projeto de lei 8889/17 tenta replicar os bons resultados da Lei 12.485/2011, que regulamentou os serviços de televisão por assinatura de cabo, satélite e antena.
A lei estabelecia cota mínima de 3 horas e meia semanais de produções nacionais em horário nobre na grade de canais gringos. Além disso, metade do conteúdo deveria ser de produtoras independentes, com o objetivo de alavancar o mercado local.
A regulação dos streamings deve estimular a produção audiovisual local e independente, promover a diversidade cultural e gerar mais empregos
Felizmente, a proposta deu certo e os canais pagos estrangeiros passaram a exibir até quatro vezes mais do que o exigido pelas cotas, graças a aceitação do público brasileiro.
O aumento de conteúdo nacional, é claro, levou a criação de empregos na área – para se ter uma ideia, havia 815 produtoras independentes registradas na Ancine em 2011; em 2023, o número passou para 1.856.
Agora, na era dos streamings, as plataformas podem ser outras, mas a discussão precisa seguir o mesmo caminho.
O Brasil é o segundo maior mercado de streaming do mundo, somando mais de 100 milhões de assinantes (sendo que só a Netflix, sozinha, tem cerca de 50 milhões de usuários brasileiros). Neste cenário, desde que chegaram ao Brasil, as plataformas de streaming não precisaram contribuir com a Condecine e não ofereceram o mesmo espaço para obras independentes brasileiras que as TVs a cabo – o que leva a uma disputa desleal.
Aqui, vale destacar também que ainda que streamings como Netflix, Prime Video ou Max lancem filmes e séries originais brasileiros, essas produções não contam como produtos realmente nacionais. Isso porque essas grandes empresas utilizam os talentos locais apenas como prestadores de serviços, sendo que todos os direitos autorais e econômicos são exclusivamente das plataformas.
Ou seja, além de usarem recursos públicos brasileiros (através da Condecine) para produzir seus conteúdos, as big techs ainda levam o lucro.
Com a regulação dos streamings, temos uma forma de estimular a produção audiovisual local e independente, promover a diversidade cultural do país e, consequentemente, gerar mais empregos no Brasil. Agora, resta esperar os acontecimentos dos próximos capítulos!