O primeiro contato com a internet vem acontecendo cada vez mais cedo na vida das crianças, o que torna a exposição digital infantil uma pauta urgente – não só para os pais, mas também para familiares, educadores, legisladores e, não podemos esquecer, as big techs como Google e Meta.
O acesso desenfreado aos conteúdos disponíveis na internet e a exposição de crianças nas redes sociais somam-se aos fatores que parecem estabelecer os rumos como a nossa sociedade pode adoecer nos próximos anos. Explicaremos melhor a seguir!
Como as redes sociais afetam as crianças?
A exposição de crianças nas redes sociais pode ter impactos significativos no desenvolvimento e na segurança dos pequenos. Apesar de muitas vezes ocorrer de maneira inadvertida por parte dos pais, ou até sem o conhecimento deles, não há como fugir dessa responsabilidade.
Segundo a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2023, cerca de 24% dos entrevistados relataram iniciar sua jornada online na primeira infância, ou seja, até os seis anos. Isso representa um aumento expressivo desde o levantamento de 2015, quando essa proporção era de 11%.
O Instagram lidera como a plataforma mais utilizada por usuários de 9 a 17 anos, alcançando 36% das crianças e adolescentes entrevistados. Logo atrás, vem as demais redes sociais populares no país, como o YouTube (29%), TikTok (27%) e o Facebook (2%).
A conscientização é o primeiro passo, tanto para os adultos quanto para os menores de idade. Veja quais são os malefícios que as redes sociais oferecem às crianças. Abaixo você confere como a internet afeta o público infantil:
Restringem o direito à privacidade
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a exposição exagerada representa uma ameaça à intimidade, vida privada e direito à imagem da criança.
O compartilhamento constante de momentos da vida da criança pode criar uma narrativa digital que perdura ao longo dos anos, moldando a percepção delas sobre privacidade e expondo-as a situações desconfortáveis no momento presente e, inclusive, no seu futuro.
A relação com a internet deve ser pauta das conversas entre pais e filhos.Fonte: GettyImages
Um exemplo disso é o caso de Lara e Jéssica que, em 2015, tornaram-se meme após o vídeo em que as duas adolescentes brigam na saída da escola viralizar e a frase “Já acabou, Jéssica?”, dita no final da confusão, virar motivo de chacota nacional.
As consequências desse episódio perduram até hoje para as meninas que foram alvo de bullying. Ambas abandonaram a escola e buscaram tratamento psiquiátrico para tentar lidar com a angústia provocada.
Em entrevista para a BBC News Brasil, Lara diz: “Se eu parar pra pensar demais nisso, me faz mal. Não é algo que eu goste, mas é uma coisa que aconteceu, não tem como voltar atrás”. Hoje, as duas movem ações judiciais contra o Google e o Facebook, para a exclusão do vídeo, e as emissoras SBT, Record e Band, que propagaram o caso sem autorização dos responsáveis.
Estimulam a busca por validação externa
A pressão por aceitação e validação, tão comum nas redes sociais, pode afetar o bem-estar emocional das crianças, levando a questões de autoestima e autoimagem.
A dependência excessiva de feedbacks positivos pela quantidade de “likes” e comentários nas redes sociais que pode levar a uma sensação de inadequação quando não há uma resposta favorável.
Desse modo, despertam-se inseguranças e ansiedades relacionadas à aparência física que se distancia dos padrões estéticos – uma vez que eles são irreais até mesmo para quem é adulto e tem mais condições de analisar esse cenário com maturidade.
Afetam a saúde física e mental da criança
O compartilhamento excessivo de informações pode facilitar a ação de predadores online, que podem usar dados publicamente disponíveis para encontrar suas vítimas. Além disso, como já mencionamos, a exposição digital pode tornar as crianças alvo de cyberbullying, afetando seu bem-estar psicológico.
Para a coordenadora do Grupo de Saúde Digital da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Evelyn Eisenstein, os impactos de longo prazo da exposição digital infantil devem ser combatidos pela precaução.
Informe-se sobre métodos de controle parental na internet.Fonte: GettyImages
“A criança e o adolescente não devem ter vida pública nas redes sociais. Não sabemos quem está do outro lado da tela. O conteúdo compartilhado publicamente, sem critérios de segurança e privacidade, pode ser distorcido e adulterado por predadores em crimes de violência e abusos nas redes internacionais de pedofilia ou pornografia, por exemplo”, explica Eisenstein.
Prejudicam o desenvolvimento cognitivo infantil
Passar horas e horas navegando na internet é um hábito que compromete o desenvolvimento intelectual da criança, sua criatividade e a capacidade de raciocínio lógico.
Como reflexo, os pequenos sentem maior dificuldade para se concentrar em tarefas que vão estimular o seu processo de conhecimento e memorização, como a leitura de um livro.
Maior a exposição à persuasão comercial
Cerca de 50% dos usuários de 11 a 17 anos pediram aos seus pais, mães ou responsáveis que comprassem um produto após serem expostos a propagandas ou publicidades na internet.
Um dado preocupante do estudo TIC Kids Online Brasil 2023, principalmente quando se confirma que 72% dos responsáveis por crianças e adolescentes de 9 a 17 anos não utilizam filtros para evitar que esse tipo de conteúdo alcance os menores sem supervisão.
A propaganda comunicada por influenciadores digitais tem o poder de despertar desejos e comportamentos que não condiz com a faixa etária de quem os assiste, prejudicando até mesmo a formação da identidade própria desse público.
“Apesar de crianças e adolescentes concordarem que pessoas são pagas para falar sobre produtos, nem sempre reconhecem que estão diante de uma comunicação mercadológica quando veem vídeos, no ambiente online, com pessoas usando ou abrindo embalagens de produtos”, afirma Luísa Adib, coordenadora da pesquisa.
O acesso à internet não é algo a ser proibido, mas monitorado pelos pais.Fonte: GettyImages
Quais são os perigos que as crianças enfrentam na internet?
A internet oferece um vasto mundo de possibilidades educacionais e de entretenimento para crianças, mas também apresenta diversos perigos como apresentamos no tópico anterior.
Em resumo, os perigos mais comuns que rondam a exposição digital infantil são, de acordo com o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania:
- exploração e abuso sexual de crianças e adolescentes na Internet;
- cyberbullying e assédio virtual;
- consumo de conteúdos violentos, de natureza sexual ou que gerem ódio;
- manipulação digital de imagens por meio de técnicas de deepfake;
- troca de imagens ou vídeos com conteúdo sexual que podem resultar na divulgação do conteúdo sem consentimento;
- a coleta de informações pessoais por parte de empresas e anunciantes, sem o consentimento dos pais, para direcionar publicidade específica às crianças.
Por isso, é imprescindível que o “sharenting”, termo que nomeia a prática de compartilhar informações sobre os filhos nas redes sociais, aconteça após uma profunda reflexão:
Como equilibrar o desejo legítimo de compartilhar momentos preciosos da vida familiar com a responsabilidade de proteger a privacidade e a segurança online de seus filhos?
Para o coordenador do Grupo de Trabalho de Saúde Mental da SBP, o médico Roberto Santoro, “a vida da criança não pertence aos pais. Eles são promotores do desenvolvimento da criança e do adolescente e têm que zelar por esse desenvolvimento, para que ocorra de uma maneira coerente e equilibrada, rumo a uma idade adulta em que a pessoa consiga se realizar plenamente de acordo com os seus potenciais”.
O que não compartilhar digitalmente para a segurança das crianças?
É importante estabelecer limites claros para o compartilhamento online, conversando abertamente com as crianças sobre os riscos associados e ensinando-as a proteger sua privacidade.
Para garantir a segurança dos pequenos na era digital, os pais devem ser cautelosos sobre o que compartilham online, como evitar a publicação de fotos e vídeos que possam divulgar informações pessoais, rotinas diárias detalhadas e momentos íntimos da vida da criança.
Também é igualmente importante que o conteúdo não permita a identificação da localização da criança, como a camiseta da escola em que ela estuda, ou que revelem situações comprometedoras, como imagens com seminudez.
Lembre-se: aplicativos e configurações de privacidade nas plataformas de mídia social são fundamentais para controlar quem tem acesso às informações compartilhadas e proteger a privacidade e o bem-estar emocional das crianças.
Uma responsabilidade que também recai na pauta dos governantes, que devem regulamentar a internet, e das big techs criadoras de redes sociais, que devem oferecer as ferramentas necessárias para tornar o ambiente digital menos tóxico para seus usuários, independente da faixa etária.
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