Este texto foi escrito por um colunista do TecMundo; saiba mais no final.
Em uma ciência que tem sido predominantemente feita por homens, utilizando em uma esmagadora maioria das pesquisas participantes homens, a pesquisa no esporte e no exercício tem apresentado um marcante “gap de gênero”. As mulheres têm sido quase “invisíveis” nesse cenário, conforme indicam dados. Entretanto, é através do trabalho e inspiração de muitas delas que caminhamos rumo às novas descobertas científicas.
Através da leitura dos livros e artigos que elas publicaram, bem como entrevistas para programas e podcasts que participaram, pude conhecer profundamente o incrível trabalho que quatro mulheres cientistas tem realizado na ciência do exercício físico. Elas tem feito a diferença. Inspire-se com suas histórias e conheça dicas práticas para mais exercícios e saúde.
As cientistas que estão revolucionando a atividade física
Wendy Suzuki
Essa que era uma neurocientista focada em pesquisas sobre memória, passou a se interessar pela ciência do exercício e seus efeitos no cérebro, quando começou a se exercitar e notou melhor fluidez em suas ideias, com maior concentração e atenção focada, ao escrever um projeto de pesquisa para ganhar financiamento.
Para Wendy Suzuki, além dos benefícios para a saúde física, o exercício também tem um impacto positivo para a mente. Fonte: Getty Images
Sua motivação inicial para exercícios surgiu quando de férias em um rafting no Peru, se percebeu como a pessoa mais fraca da excursão. Olhou para trás e viu seus últimos anos baseados em apenas trabalho, pois se dedicava integralmente para confirmar sua vaga na Universidade. Bem-sucedida no trabalho, porém isso lhe custou sua saúde e vida social.
Wendy começou a frequentar diversas aulas em uma academia, também motivada para perder seus 11 quilos a mais na balança. “Eu sentia uma grande melhora no humor e uma injeção de energia e era isso que me fazia voltar à academia”, contou ela em sua palestra TED, que tem quase 10 milhões de visualizações. Nessa, a pesquisadora ressalta que o exercício é a coisa mais transformadora que podemos fazer pelo cérebro.
Ela relata sua história em detalhes no livro “Healthy Brain, Happy Life”. Hoje, a primeira coisa que ela faz todos os dias, são 30 minutos de exercícios, pela manhã, para se preparar para o trabalho. Mesmo nos dias sem trabalho – fins de semana, ela mantém o hábito. O up no humor é o maior benefício que ela nota dos exercícios. “Como todos os dados da neurociência sugerem, a melhor hora para fazer seu exercício é logo antes da necessidade de usar seu cérebro da maneira mais importante”, contou Suzuki em podcast.
Suzuki sugere um início leve: começar caminhando, pois “(quase) todo mundo pode caminhar e não precisa comprar nada para isso. Depois pode-se alternar com uma caminhada potente, mais acelerada”.
Jennifer Heisz
Essa neurocientista que é líder do NeuroFit Lab na McMaster University, no Canadá, dedica um capítulo do seu belo livro “Move the body, heal the mind” (Mova o corpo, cure a mente), para abordar o que ela chama da questão de 1 milhão de dólares: por que é tão difícil se exercitar? Segundo ela, a culpa é parcialmente do cérebro, que procura um lugar homeostático feliz, ou seja, a zona de conforto do corpo.
Seu foco de estudos tem sido exercícios e saúde mental e quando perguntada sobre o que acha mais fascinante dessa relação, Jennifer Heisz destacou o exercício no mesmo nível dos remédios para tratamento dos distúrbios de saúde mental. Ela afirma que a evidência que suporta a relação entre exercício e saúde mental é forte, o que falta ainda é saber com exatidão sobre seus mecanismos. Ela tem trabalhado para descobrir isso e em um recente artigo destacou o papel do lactato na saúde cerebral.
Esse que anteriormente era visto como uma substância vilã, hoje é entendido como uma molécula sinalizadora que a partir dos músculos, viaja até a corrente sanguínea até o cérebro, lá consegue atravessar a barreira hematoencefálica. No cérebro, o lactato consegue ativar a expressão de BNDF no hipocampo, um fator de crescimento importante para os neurônios. De fato, há uma conexão entre músculos e cérebro.
Em suas sugestões para exercício físicos, Jennifer Heisz acredita que a abordagem “devagar e sempre” é a melhor proposta.
No processo, é fundamental encontrar a sua intensidade e isso é bem pessoal, pois diferimos em relação à tolerância ao estresse fisiológico que são os exercícios.
Outra sugestão prática da cientista é a música como estratégia pré-treino, pois pode estimular o sistema de recompensa do cérebro e começar uma conexão agradável com movimento.
Kelly McGonigal
Para Kelly McGonigal – psicóloga de Stanford, o movimento é uma forma de usar o seu corpo para se conectar com a vida. Em entrevista em podcast, McGonigal destaca que “olhando os dados pelos estudos em cada faixa etária, em cada status de saúde, gênero ou nível socioeconômico, as pessoas mais ativas fisicamente são mais felizes, tem melhores relacionamentos e mais significado na vida”.
Em seu livro “Joy of Movement” (Alegria do movimento), a pesquisadora afirma que “muitas pessoas dizem que não gostam de exercícios de jeito nenhum, mas apostaria que elas não estão imunes às recompensas do exercício. É possível que elas só não foram expostas à dose, tipo ou a comunidade que transforme elas em pessoas do exercício”.
Para Kelly McGonigal, o importante não é o tipo ou o tempo de exercício físico e sim colocar o corpo em movimento. Fonte: Getty Images
Em suas dicas práticas, especialmente para quem está afundado no sofá e quer levantar para treinar, é: escolha uma música que você goste. Não importa muito o tipo de movimento que você fará, mas sim que faça algo, pode ser durante o tempo da música. Ela também aposta nos benefícios do exercício ao ar livre em contato com a natureza.
“Exercício é o melhor reset que você pode fazer por você mesmo”, afirma Kelly McGonigal, mas alerta que “às vezes pode demorar até seis semanas para que seu cérebro o recompense pelo movimento através de exercícios”. Nesse tempo, um caminho apontado pela autora é a dissociação positiva, que consiste basicamente em se distrair durante a prática de exercícios, mas não com redes sociais ou notícias na TV, e sim com música ou algo interessante.
Katy Milkman
A estratégia descrita anteriormente funcionou com Katherine Milkman, mas ocorreu de forma condicional: ela só iria consumir o que ela chama de entretenimento vulgar – como assistir séries, ler romances ou ficar nas redes sociais, enquanto estivesse se exercitando. Ela chamou esse método de agrupamento de tentações.
Serve para enfrentar dois tipos de problemas de autocontrole, um positivo e um negativo. É uma abordagem que objetiva unir dois comportamentos no tempo de apenas um, agrupando-os. Antes de divulgar e recomendar a estratégia que funcionou para ela, a pesquisadora economista testou a partir de estudos e confirmou a efetividade.
Katy Milkman é professora na The Wharton School of the University, na Pennsylvania. Naquela que ela chamou, em seu livro “Como mudar”, a maior descoberta de sua carreira, desenvolveu um estudo com funcionários da Google que podiam ir à academia da empresa, treinar com uma rotina fixa (em horário pré-estabelecido) ou flexível.
O surpreendente resultado mostrou que quem teve rotina mais flexível foi mais à academia do que quem teve a rotina fixa. Isso nos mostra que às vezes estabelecer rotinas inflexíveis pode ser contraproducente para criar hábitos.
As pesquisadoras têm uma bonita trajetória marcada por descobertas e esforços para divulgação dos resultados, indo além dos muros das Universidades que trabalham. Um trabalho louvável e necessário.
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Fábio Dominski é doutor em Ciências do Movimento Humano e graduado em Educação Física pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). É Professor universitário e pesquisador do Laboratório de Psicologia do Esporte e do Exercício (LAPE/UDESC). Faz divulgação científica nas redes sociais e em podcast disponível no Spotify. Autor do livro Exercício Físico e Ciência – Fatos e Mitos.