Em 2016, o escritor estadunidense Blake Crouch publicou o livro Dark Matter (Matéria Escura), uma obra de ficção científica que vendeu milhares de cópias e fez muito sucesso em todo o mundo. Não é à toa que a Apple TV+ decidiu transformar a interessante e misteriosa história do livro em uma série. Inclusive, a ficção científica usa alguns conceitos científicos reais.
*Antes de tudo: cuidado! Este artigo contém SPOILERS moderados. Não escreverei sobre a trama completa da série, mas abordarei diferentes pontos da história que podem auxiliar na explicação dos conceitos científicos de algumas cenas.
Na trama de Matéria Escura, o físico Jason Dessen (1) está desiludido com seu futuro sem sucesso, mas tudo muda quando uma versão alternativa de si mesmo o sequestra de sua realidade. No outro universo, o Jason (2) sequestrador é um homem rico e bem-sucedido, que conquistou tudo ao seu redor, exceto uma esposa e filhos.
A partir dessa frustração, ele cria uma caixa capaz de acessar múltiplas realidades e encontra um mundo onde se casou com a mulher que ama e teve filhos. Decidido a ter essa vida, ele força a troca de papéis com o Jason (1) desse universo. Porém, o físico sequestrado não fica contente com a nova realidade e tenta de tudo para retornar ao seu mundo original e à sua família.
Os conceitos científicos de Matéria Escura (Dark Matter)
A fim de tentar compreender um pouco mais sobre os conceitos científicos apresentados em Matéria Escura, reuni informações de cientistas e especialistas da área para explicar o que é real.
“A física que está surgindo agora sustenta, cada vez mais, que a realidade é uma criação da nossa mente. A realidade não existe independentemente da observação, da consciência. Seres biocêntricos criam a realidade. Muitas dessas coisas estavam muito menos em voga quando eu estava escrevendo o livro. São bananas. É tão alucinante quando você realmente pensa sobre isso”, disse Crouch sobre a ciência do livro.
O escritor da obra não era um professor de física, então seu entendimento sobre o tema era limitado antes de escrevê-la. Para ajudá-lo, ele consultou Clifford V. Johnson, especialista em física de alta energia, gravidade quântica, teoria quântica de campos, física de partículas e outras áreas. O cientista ajudou o escritor a desenvolver o design da ‘caixa’ que transporta pessoas para múltiplas dimensões.
A caixa do Gato de Schrödinger
Dessen (1), interpretado por Joel Edgerton, é um físico frustrado de meia-idade, pai e casado com Daniela (Jennifer Connelly). Por outro lado, o Jason (2) da outra realidade não teve tempo para a família, pois se tornou um físico de sucesso, empresário e ganhador de um tipo de prêmio Nobel. Contudo, o personagem dessa realidade não está feliz com sua vida pessoal e decide usar uma de suas criações para mudar a realidade ao seu redor.
No universo onde se tornou um físico de sucesso, Dessen (2) conseguiu desvendar o princípio da superposição quântica, um conceito amplamente divulgado na cultura pop pelo experimento mental do Gato de Schrödinger.
Nesse experimento, o gato pode estar em uma superposição quântica de vivo e morto ao mesmo tempo, pois ele está dentro de uma caixa com um elemento radioativo, um frasco de veneno e um mecanismo que depende da desintegração do elemento radioativo para liberar o veneno.
Enquanto a caixa não é aberta, alguns cientistas defendem que o animal está em uma superposição de vivo e morto.
O conceito do Gato de Schrödinger já foi citado em dezenas de obras cinematográficas.Fonte: GettyImages
A ideia de Schrödinger é utilizada para explicar a máquina de Dessen (2), pois a caixa permite que sua mente esteja em todos os lugares ao mesmo tempo. Por isso, ficcionalmente, ele tem acesso a infinitas realidades simultaneamente e, assim, consegue sequestrar seu ‘eu’ de uma realidade onde é casado e feliz.
É importante destacar que o Gato de Schrodinger é apenas um experimento mental, e não uma teoria real. Então, a principal representação mostrada em Matéria Escura não é exatamente real, mas é baseada em conceitos científicos explorados na física quântica.
“Acho que ele (2) construiu a caixa como um experimento mental que se tornou um empreendimento real. Enquanto ele estava se dedicando a 10 anos construindo essa coisa, ele não pode deixar de ver os sacrifícios [que ele fez]. Sempre imaginei que ele entrou no box e surfou um pouco, e então viu aquela família uma noite. Em um momento em que ele estava se arrependendo – uma espécie de outro lado dos arrependimentos de Jason (1) – ele decidiu fazer algo maluco [e forçar a troca de realidades]”, Crouch explica.
Multiverso: realidades infinitas
Para a caixa funcionar, o universo de “Matéria Escura” também deixa claro que o multiverso é real. Por isso, os personagens que desejam ir para outras realidades devem imaginar o universo que desejam adentrar. Na caixa, todo o multiverso está sobreposto em um estado quântico que oferece portas para infinitas realidades.
O cientista Max Tegmark, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), afirma que um multiverso de Nível III teoricamente apresentaria diversas realidades com possibilidades diferentes.Fonte: GettyImages
O multiverso é um conceito científico previsto por diferentes teorias, mas nenhuma delas foi capaz de provar empiricamente a existência de outras realidades. Uma dessas teorias é a cosmologia inflacionária: a ideia é que logo após o Big Bang, tudo se expandiu e inflacionou repetidamente, criando uma rede de bolhas de universos distintos.
É possível viajar entre realidades?
Não, pelo menos por enquanto, não é possível viajar entre realidades como na obra “Matéria Escura”. Isso ocorre porque nem todos os conceitos científicos estão estabelecidos; alguns são apenas teorias e experimentos mentais, como é o caso do Gato de Schrödinger.
Uma parte da comunidade científica acredita que a realidade é uma percepção criada pela mente humana. Ou seja, se não existissem seres vivos, não haveria realidade para vivenciar, já que hipoteticamente é a nossa mente que cria tudo que observamos ao nosso redor. A discussão é tão filosófica quanto científica, mas ainda não chegamos em uma conclusão.
A série funciona de forma semelhante a essa teoria, pois a caixa apresenta todas essas realidades, mas nossa mente só pode adentrar uma realidade por vez. Por isso, a obra explica que eles precisam tomar uma medicação para permitir que suas mentes entrem no estado de superposição sem ser sofrer nenhum dano.
A teoria do biocentrismo explica um pouco isso: existem infinitas realidades, mas a consciência reduz essas realidades para apenas uma – apesar disso, ela não é tão bem aceita pelos cientistas.
O físico que auxiliou nos conceitos científicos, Johnson, afirma que ainda não está claro se seria possível construir uma caixa como na série, mas que foi divertido imaginar essa possibilidade.
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