Anunciado originalmente ainda no fim do ano de 2016, sob o codinome Project Re:Fantasy, o primeiro projeto do Studio Zero após a saída do lendário diretor Katsura Hashino do Studio P sempre foi cercado de extrema expectativa pelos fãs. Essa nova IP desenvolvida pelo estúdio liderado pelo diretor dos principais jogos da série Persona e Shin Megami Tensei 3 só veio a ser revelada em 2023, com seu nome oficial: Metaphor: ReFantazio, e aumentou ainda mais o rebuliço em torno do projeto.
Logo nos primeiros trailers já era possível notar uma fortíssima influência das outras duas principais franquias em que Hashino havia trabalhado antes de Metaphor, mas dessa vez fugindo da tradicional roupagem colegial de Persona ou do mundo sci-fi de Shin Megami Tensei, apostando em uma ambientação puxada para fantasia, com leves toques de steampunk.
O sucesso das duas franquias citadas, somado aos instigantes e excelentes trailers, além da grandiosa equipe formada para produção do game logo o alavancou para o status de potencial jogo do ano. Mas será que Metaphor: ReFantazio faz jus ao nome de seus antecessores espirituais e de fato traz um candidato ao GOTY? Ou seria ele apenas uma amálgama de boas ideias sem personalidade? Você descobre mais na nossa análise a seguir!
Um mundo de fantasia
Antes de começarmos essa análise é preciso lembrar que evitaremos ao máximo spoilers e detalhes do enredo além do que vimos nos trailers e no demo disponibilizado pela Atlus na última semana, além de alguns detalhes de gameplay que são apresentados do meio para o fim do título.
Se algumas semelhanças na jogabilidade entre Metaphor: ReFantazio e as outras séries da Atlus são notórias, talvez sua grande diferença, e personalidade única, esteja na sua narrativa. Trazendo os JRPGs da Atlus para um mundo de fantasia, Metaphor possui uma história fantástica, além de um universo muito maior e mais ambicioso que os títulos da franquia Persona, por exemplo.
História de Metaphor:ReFantazio é cheia de reviravoltas e revelaçõesFonte: Atlus/Divulgação
A premissa da trama principal à primeira vista é simples: O reino de Euchronia, que antes era dividido em três nações distintas antes da unificação pelo rei, tem seu monarca assassinado em seus aposentos. O caminho natural seria a coroação de seu filho, mas anos antes esse foi vítima de uma maldição em um ataque de um grupo misterioso, deixando-o em um coma profundo e incapaz de assumir o trono. No meio dessa indefinição diferentes grupos políticos se articulam para tentar tomar posse do reino, como os líderes da igreja Sanctista, religião dominante e oficial do reino, ou o antigo general Louis, responsável pelo assassinato do rei e um dos principais suspeitos do ataque ao princípe. Em meio a tudo isso, nós então controlamos o protagonista (cujo nome é escolhido pelo jogador), um amigo de infância do príncipe que sai junto da pequena fada Gallica, numa missão para descobrir a origem da maldição e tentar revertê-la para que o reino possa ser comandado pelo gentil filho do rei.
Embora a base da história pareça simples, não se engane: a narrativa de Metaphor: ReFantazio é facilmente o maior trunfo do game e falo, sem medo de errar e como um fã da franquia, que ela está em um patamar acima do que vemos na série Persona. Usando a disputa pelo trono como alicerce e pontapé inicial da história, não demora muito para o jogador perceber que Metaphor vai muito além e, contrariando o que os próprios desenvolvedores afirmaram em entrevistas, é facilmente o jogo mais político já desenvolvido pela Atlus.
O mundo de Euchronia é populado por oito tribos e o jogo já no começo nos mostra como a discriminação e segregação social relacionadas a essas tribos está enraizada no reino. Se de um lado temos tribos respeitadas, como os Clemars (raça da família real) ou os Roussainte, por outro temos os Paripus ou os Eldas (tribo do protagonista) que vivem à margem da sociedade, muitas vezes lutando pelo direito de sequer existir.
Além disso, Metaphor também reflete muito sobre os conceitos de democracia, algo que é ancorado em um outro aspecto da história que já era foco do primeiro trailer do título ao apresentar a indagação: “e se o mundo que nós vivemos hoje fosse a utopia deles?”. À medida que a história avança e o jogador se vê no meio dessa corrida pelo trono, existe uma forte reflexão sobre como os avanços da nossa sociedade moderna, que no jogo é representada por meio de um livro carregado pelo protagonista, podem parecer utópicos para os moradores do reino, como um sistema de votação ou o direito de escolher suas próprias religiões.
Aliando isso a outros mistérios, como os perigosos humanos (criaturas deformadas que atacam o reino), ou a origem da magla (fonte do poder mágico de Metaphor), e com a história individual de cada personagem, tratando de temas pesados como luto, legado ou suicídio, temos uma narrativa densa, que prende o jogador a cada avanço e reviravolta, e que no geral entrega uma das melhores experiências que já tive com um JRPG.
Uma luta forjada por laços
Por mais que a história seja excelente, apenas ela não seria o suficiente para segurar uma experiência que pode levar algo em torno de 80 horas para ser concluída. Para sustentar a narrativa, e de certa forma ajudar a construí-la, Metaphor: ReFantazio conta com um gameplay muito semelhante com o de Shin Megami Tensei, com um combate por turnos onde acertar as fraquezas de seus adversários, algo que lhe rende ações extras, e de Persona, contando com invocações que aqui são chamadas de arquétipos.
Esses arquétipos, entretanto, funcionam de maneira um pouco diferente em relação às tradicionais personas. Com cada uma representando classes de RPG, como mago, cavaleiro ou curandeiro, esses arquétipos podem ser ensinados e trocados por todos os membros da party, nos dando uma variabilidade e controle dos nossos aliados muito maiores que em Persona. Alguns arquétipos possuem como pré-requisito ter um determinado nível em outro, o que obriga o jogador, mesmo que este queira seguir uma linha linear de progressão, a experimentar outras classes e modos de gameplay.
Arquétipos permitem uma vasta opção de customizaçãoFonte: Atlus/Reprodução
Além disso cada arquétipo possui algumas skills que podem ser herdadas de outras classes que aquele personagem já tenha aprendido, o que torna a experiência de variar e upar essas diferentes habilidades algo recompensador mesmo quando decidimos optar por um arquétipo final, já que teremos uma gama maior de opções de habilidades para herdarmos.
Metaphor também expande o pré-combate em relação aos seus antecessores, dando mais impacto na ação de acertar seus adversários antes de iniciar um combate tático. Se em Persona e SMT nós podemos atacar um inimigo para tentar surpreendê-lo, ou ser atacado e termos a desvantagem na luta, em Metaphor essa etapa inicial de combate é feita em tempo real, e com a ajuda de seus aliados.
Se para inimigos fracos isso é fácil, e inclusive os derrota sem a necessidade do combate tático, para adversários mais poderosos é preciso cuidado e atenção para evitar ser atacado por eles no meio de sua ofensiva, já que isso pode ser desastroso ao iniciar um combate tático. Esse sistema em tempo real mecanicamente é muito simples, não espere um hack’n’slash ou soulslike por aqui, mas entrega muito bem o seu papel de deixar as dungeons mais tensas e variadas, especialmente pelo fato de cada arquétipo ter sua arma própria, fazendo com que cada troca feita no protagonista mude também seu padrão de ataque nas masmorras.
Começar uma batalha com vantagem pode ser a diferença entre a vida e a morteFonte: Atlus/Divulgação
Mas é claro que se tratando de um jogo que absorve tanto de Persona, não é de esperar que a jogabilidade seja limitada apenas ao combate e exploração de dungeons. Metaphor também conta com um sistema de calendário e atividades paralelas, onde o jogador possui uma sequência de dias livres entre cada missão principal e cabe a ele decidir como melhor usar esse tempo. Além de atividades mais tradicionais como side quests e contratos de recompensa, temos a possibilidade de melhorar as habilidades sociais do protagonista (divididas entre coragem, sabedoria, tolerância, eloquência e imaginação) e progredir o relacionamento com nossos companheiros e outros personagens da trama.
Assim como em Persona, esses relacionamentos e o uso do tempo livre em geral, é determinante para o sucesso do jogador entre cada missão. Afinal, além de permitir progresso nos arquétipos, avançar nesses relacionamentos pode conferir buffs passivos e espaços extras de memória para sua equipe e seus arquétipos. Um ponto nisso que sempre é motivo de curiosidade e deve se clarificar: dentro desses seguidores não há a opção de romance, algo comum em Persona.
Laços forjados no caminho são tão importantes quanto gold ou XP em MetaphorFonte: Atlus/Reprodução
Um ponto positivo de Metaphor em relação ao seu antecessor é que as opções de diálogo nesses encontros não influenciam o quanto o relacionamento avança, apenas a quantidade que você ganha de magla, recurso usado no estudo de arquétipos. Isso torna a experiência de maximizar todos os seguidores uma tarefa bem menos hercúlea sem um guia do que o que vemos na série Persona. Claro que isso pode desagradar alguns jogadores mais puristas, mas para esses eu digo: não se preocupem, pois o impacto das opções escolhidas ainda existem nas atividades de ganho de habilidades sociais.
Estilo E substância
Já não bastasse todos os pontos positivos de história e jogabilidade já citados, Metaphor: ReFantazio também entrega uma experiência incrível no quesito apresentação. Além da já famosa interface dos menus, marca registrada da Atlus a essa altura, que está mais bela do que nunca, há de se fazer um destaque para Shigenori Soejima, diretor de personagens da franquia Persona e que assume o mesmo título em Metaphor. Cada personagem no game possui, além das características de sua tribo, um design excelente, tornando-os facilmente memoráveis cada um à sua maneira. Design esse que é mostrado de forma magnífica nas inúmeras cenas animadas de Metaphor, mostrando que o Studio Zero não poupou despesas na apresentação.
Menus e visuais de Metaphor seguem o padrão de excelência da AtlusFonte: Atlus/Divulgação
Ressaltando outro famoso funcionário da Atlus, é indispensável citar o magnífico trabalho de Shoji Meguro que mais uma vez entrega uma trilha sonora magnífica, tanto nos momentos mais pivotais de combate ou narrativa, como na ambientação das diferentes cidades que compõem o reino de Euchronia. Para complementar o excelente trabalho musical e sonoro, o game conta com uma excelente dublagem, em especial na versão japonesa, que conta com atores famosos no mundos dos animes, como Natsuki Hanae (Tanjiro de Demon Slayer) na voz do protagonista (que embora ainda pouco, fala um pouco mais que o normal para jogos da Atlus) e Yuichi Nakamura (Gojo de Jujutsu Kaisen) no papel do vilão Louis Guiabern.
Tudo isso aliado aos maravilhosos e criativos visuais das diferentes regiões do reino unificado, tornam Metaphor:ReFantazio uma experiência de tirar o fôlego. Digo isso mesmo com o uso da GFD Engine (usada em Persona 5) que, ao contrário da Unreal Engine 5 usada em Persona 3 Reload, acaba sofrendo no quesito gráfico, trazendo uma qualidade visual um pouco aquém dos padrões que esperamos para um título na atual geração. Aqui cabe também uma das pouquíssimas críticas que tenho para o título além de seus gráficos: o design dos inimigos, embora seja fantástico no geral, em especial para os humanos, acaba sofrendo com alguma repetição e reskins a partir do meio do título (um defeito que é comum, e até por isso muitas vezes ignorado, em JRPGs).
Vale a pena?
Magnum Opus. A expressão em latim é usada para expressar um trabalho de excelência em todos os aspectos, normalmente sendo o ápice de um autor ou artista. Se a composição de um time de nomes renomados do Studio P já era uma pista de que Metaphor estava destinado a grandes coisas, agora com seu lançamento é impossível não ter a sensação de que essa se trata da obra máxima produzida pela Atlus. Absorvendo tudo que há de melhor nas já históricas franquias Persona e Shin Megami Tensei, Metaphor:ReFantazio não só é o melhor RPG do ano, como é um dos grandes favoritos ao jogo do ano de 2024.
Nota Voxel: 100
Pontos Positivos (prós):
- História e universo fantásticos
- Sistema de arquétipos e jogabilidade
- Personagens cativantes e instigantes
- Apresentação padrão Atlus
Pontos Negativos (contras):
- Gráficos um pouco abaixo do padrão da nova geração
- Repetição de design dos inimigos
Metaphor:ReFantazio foi testado no PC com uma chave cedida pela Atlus. O jogo chega aos computadores, PlayStation e Xbox no dia 11 de outubro.